Capítulo 10 - Fantasmas de Québec.

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Capítulo 10 – Fantasmas de Québec.

Seis anos antes, o outono se aproximava do inverno e em um dia frio e cinzento, uma pré-adolescente, adquirindo seus primeiros traços de rebeldia caminhava pelo cemitério ao conversar com seu pai não pode deixar de perguntar:

__Pai, imagine se você morresse...

__Que horror filha, eu não vou morrer tão cedo...

__Sim, mas se você morresse e algum maluco projetasse um método para fazer um varredura de seu cérebro. Depois ele criasse um banco de dados medíocre com as suas informações e um holograma que respondesse as minhas perguntas, você acha que esse holograma seria você?

Pierre Bourdieu parou ao escutar a indagação da jovem, o holograma de seu pai respondeu:

__Turing acreditava que quando você perguntasse a mesma coisa simultaneamente para uma pessoa e para uma máquina e você não conseguisse distinguir quem dera a resposta, a inteligência artificial atingiria a humana...

Rachel ficou reflexiva e contrapôs:

__Mas, você acha mesmo que esse banco de dados, ainda que possuísse todas as suas lembranças, seria você?

O holograma de seu pai parou alguns instantes e respondeu:

__Turing se suicidou, nenhuma máquina faria isso... Somos muito mais do que bancos de dados...

Rachel satisfeita com a provocação desligou o holograma de seu pai, que se projetava sobre sua lápide e ficou contemplando ironicamente a face do criador do primeiro cemitério inteligente da França, o engenheiro de Software apenas sorriu para Rachel de volta e tentou sair de perto, mas ela lhe acompanhou dizendo:

__Nem sua criação dá crédito a ela mesma...

Bourdieu já cansado de semanalmente ser provocado por aquela pré-adolescente, sentou-se em uma lápide e ela fez o mesmo, adorava provoca-lo, mas no fundo via seu pai nos traços daquele canadense:

__Eu também nasci no Canadá, sou de Trois Riviére, era um homem bravo, chucro, era dono de uma vinícola, mas também tinha um aras, amava aqueles cavalos. Um belo dia, quando eu tinha a idade que você tem hoje, faltou energia devido a um raio que atingira a central elétrica e tivemos que usar velas por alguns dias. – Ele parou, respirou profundamente buscando disfarçar as lágrimas – Um dia antes de a energia voltar, eu adoeci e fiquei sob os cuidados de minha avó, no outro lado da cidade. – Olhou para os olhos castanhos e graciosos de Rachel e justificou-se - Bem, meu pai sabia apenas lidar com a lavoura e com seus cavalos, criava minha irmã e eu com mãos de ferro, mas no fundo nos amava, fazia isso de seu modo peculiar...

 Ele conferiu as horas e tornou a contar a história, o brilho pálido do sol surgia sob espessas nuvens cinzentas e iluminava tenuamente seu rosto levemente enrugado, pouco corado, que dividia espaço com seus cabelos negros e lisos que quase ocultavam seus olhos castanhos e muito expressivos:

__Ele não tinha mesmo jeito para cuidar da casa, pelo menos desde quando a minha morrera tudo se tornara muito complicado para todos nós. – Suspirou olhando novamente as horas e concluiu – Na noite que eu fui para o hospital ele acendeu uma vela no quarto da minha irmã, só que ela estava muito mal posicionada. Bem, estava ao lado de uns pedaços de tecido que minha avó dera de presente para minha irmã, já que iria ensiná-la a costurar. Mas, não deu tempo para isso, durante a noite o fogo se alastrou pelo tecido e depois pelas paredes da casa, até aí dava para eles saírem... Mas, meu pai estocava combustível para os seus veículos para consumir no inverno e o fogo atingiu um cômodo no qual o combustível estava estocado e a casa, que era feita de madeira, foi aos ares antes que eles conseguissem escapar pela porta principal, devem ter morrido descendo as escadas, mas não sabemos ao certo, de modo geral, não sobraram muitas lembranças deles...

Ele levou a mão direita aos olhos brevemente e logo se recompôs acendendo um cigarro, Rachel mordia os lábios reflexiva e ao mesmo tempo envergonhada:

__Eu sinto muito.

Bordieu agradeceu enquanto contemplava o belo rosto de Rachel, que muito lhe lembrava o rosto de sua falecida irmã.

Os Novos EstrangeirosWhere stories live. Discover now