Capítulo 11 - Não fizeram isso com a Dolly?

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Capítulo 11 – Não fizeram isso com a Dolly?

 

Uma semana mais tarde, Rachel caminhava em silêncio esmagando com os pés as últimas folhas de Bordo que jaziam no chão, tentava em vão desfazer as lembranças do acidente em Québec, estava vivendo as piores férias na França que já vivera, eram férias terríveis, forçadas. Nascera e passara parte da infância em Québec, mas aos nove anos mudara-se com seus pais para a Califórnia, na qual a avó já estava há muito tempo instalada, mas aquele paraíso ensolarado rapidamente se transformara em um inferno coletivo. Muitas intrigas, traições e temporadas em clínicas de reabilitação passaram a habitar o dia-a-dia da jovem canadense, foi uma parte fria de sua infância, mesmo sob o sol escaldante de Los Angeles.

O ar seco irritava seu nariz e as brigas entre seus pais, os abusos de drogas de sua avó estampavam a mídia sensacionalista e ainda que Rachel fosse jovem demais para entender todo aquele turbilhão de coisas estranhas que lhe envolvia, a dor que aqueles eventos lhe causavam parecia rasgar a sua pele, triturar seu estômago, enquanto buscava nos desenhos animados e suas fantasias infantis uma fuga não muito eficaz do mundo dos adultos.

Dois anos mais tarde quando após sua mãe ser agredida fisicamente por seu pai e sua avó sofrer mais uma overdose, a família inteira decidiu dar um tempo para Hollywood. Eram férias forçadas na terra natal, em um final de semana no início do inverno, a avó de Rachel e ela foram de avião para sua casa de veraneio à beira do Atlântico na Nova Escócia, devido a profundas nevascas e discussões o restante da família demorou mais um final de semana para sair de Québec e todos os voos haviam sido cancelados para aquela semana, então decidiram ir de carro.

No carro estavam o avô de Rachel, seu pai, sua mãe, seu irmão pequeno e sua única tia, fora a última viagem daquelas pessoas. A caminho da Nova Escócia, ainda em Québec, aconteceria o fatídico acidente que marcara ainda mais a vida já conturbada daquela jovem canadense.  Um caminhão invadira a pista contrária ao desviar de um alce e desviando de um ônibus de passageiros passara literalmente por cima do carro no qual a família de Rachel viajava, o teto do carro fora arrancado com a colisão e junto dele as cabeças dos presentes à exceção do irmão de Rachel que morrera esmagado na fuselagem.

Rachel segurou uma folha de bordo e a esmagou com força, Bordieu caminhava próximo dela em silêncio e ela disse irritada:

__Você não poderia cloná-los. Não fizeram isso com a Dolly?

Ele conteve o riso e afirmou:

__As leis de biossegurança aqui na França não permitem clonagem humana com fins reprodutivos. – Rachel olhou para Bourdieu de modo debochado – Mas, pense, Rachel, imagine se eu te clonasse e de algum modo acelerasse o processo de crescimento do seu clone e produzisse uma garota como você...

Ela ajeitando seu cachecol, observava os olhos de Bourdieu enquanto o vapor de água de seus pulmões se condensava na atmosfera e se divertia com a fumaça esbranquiçada que saia de seu nariz, o engenheiro então completou:

__Depois eu colocaria todas as suas lembranças dentro do cérebro dessa menina, por fim eu levo ambas até aqui, na beira desse bordo seco...

Ela contemplou a árvore imaginando o encontro, enquanto Bourdieu, após alguns segundos perdido em pensamentos que o vento agourento que roçava o cemitério lhe trazia, pôs-se a questionar:

__Mas, você acha que seria você?

Rachel negou com a cabeça, suas bochechas estavam vermelhas, castigadas pelo frio que se tornava mais intenso à medida que anoitecia, o segurança olhava ao longe, conferindo o relógio e já pensando em chama-la, mesmo sabendo que se chamado seria recebido rispidamente pela menina, Bourdieu concluiu já preocupado com o relógio:

__Mas, ainda que vocês fossem a mesma pessoa, um instante mais tarde já não seriam, cada cérebro seguiria seu próprio caminho, no fundo não sabemos o que faz com que esse cérebro seja você, de fato, já que não somos nem as lembranças que carregamos na nossa cabeça...

Bourdieu então convidou a jovem para acompanha-lo no caminho de volta e antes de atingirem a saída, Rachel ainda indagou:

__Você conseguiria fazer com que eu possa ficar com esses hologramas em casa... Você sabe que dinheiro não será problema...

O engenheiro ficou pensativo e apesar da perspectiva de quebrar a política interna de seu próprio modelo de negócio, que funcionava com a simulação dos hologramas apenas nos cemitérios, resolveu considerar o pedido de Rachel com seriedade:

__Vamos trabalhar nisso, Rachel, você tem a minha palavra.

Os Novos EstrangeirosWhere stories live. Discover now