Capítulo 66 - A morte e o peso da liberdade.

57 36 1
                                    

E após alguns instantes com o olhar perdido ao longe, a esposa de Ettiénne se distraiu com um barulho, ergueu o olhar e, contemplando um pássaro que voava entre as copas das árvores, desabafou:

__Você sabe, há algumas pessoas que não foram feitas para ficar vagando pela terra. Elas vivem querendo voltar para os céus, o firmamento é a única fronteira que conhecem...

Rachel concordou esboçando um novo sorriso, sabia que Jacqueline se referia a Ettiénne, mas aquele frase também lhe caberia. Só não conseguia se lembrar de quando havia se perdido entre os caminhos no chão e perdido o contato com os céus, "Talvez seja por isso que eu não fui mais feliz" pensou Rachel, enquanto expressava um semblante entristecido quebrado com a visão de uma voadeira à beira de um rio de águas barrentas, margeado por uma densa cobertura vegetal. Jacqueline olhou para o barco e comentou:

__É o que temos para hoje, Rachel.

__Para onde vamos?

__Eu trabalho em uma aldeia, tal fica cerca de três horas de barco daqui seguindo no Alto-Maroni.

Rachel sorriu quando ouviu a palavra aldeia e adentrou no barco, olhava com carinho para aquela mulher a qual um dia já tivera certa dose de raiva. E ainda portando alguma culpa, se desculpava:

__Fico feliz por terem vivido bons tempos, mas...

Ela funcionou o barco e continuaram conversando agora tendo que falar em um tom mais elevado, enquanto Jacqueline manobrava com destreza a voadeira, como se conhecesse cada curva daquele rio:

__Pode falar, Rachel.

A antropóloga era despojada e mantinha uma jovialidade que provocava admiração em Rachel, bem mais nova e sentindo muito mais envelhecida psicologicamente:

__Eu acho que estou prestes a morrer...

__Não fale isso, Rachel, você ainda é tão jovem...

__Sim, mas eu não sei como explicar... Sabe como quando você começa a falar tudo que sempre quis falar...

A antropóloga gargalhou dizendo:

__Então acho que eu já teria morrido há uns 20 anos...

Rachel sorriu e confessou:

__Sinto muita culpa pelo ocorrido com Ettiénne...

A jovem senhora sorriu de modo compreensivo e divagou:

__Talvez por causa daquela pergunta que você fez para ele?

E de modo anafórico Rachel concordou e Jacqueline concluiu:

__Entendo, mas não há fundamento em sua culpa, na verdade, a fenomenologia permeava a vida de Ettiénne. – Ela olhava as águas do rio ao longe - Bem, ele já estava muito preocupado sobre a maneira pela qual estava conduzindo as coisas, sentia um profundo vazio existencial, não parecia ligar muito para a perspectiva da morte, gostava de esquiar sozinho nos Alpes e quase morrera várias vezes de hipotermia ou despencando...

Rachel arregalava os olhos e Jacqueline prosseguia:

__Ele gostava de correr riscos, apesar de parecer tão centrado, tão sábio...

A psicóloga continuava atenta às palavras daquela mulher, tudo parecia muito elucidativo:

__Ettiénne estava perdido, querida... – Respirou profundamente - Queria desesperadamente encontrar um motivo para existir, algo que justificasse seu projeto existencial. Ao telefone dizia que todos seus dias eram iguais, inúteis.

Jacqueline virou o rosto na direção de Rachel e comentou indagando:

__Você sabe, quando sentimos aquela sensação sufocante de que estamos desperdiçando a nossa vida e independentemente do que buscamos nada encontramos, e permanece um vazio...

Rachel concordou e disse reflexiva:

__Mas, acho que isso faz parte da vida de qualquer pessoa...

__Sim, penso que sim, é o peso da liberdade, estamos todos sempre nessa mesma angústia existencial, mas nem todo mundo se dá conta disso...

A psicóloga esboçou um sorriso discreto, percebendo que Jacqueline parecia apoiar as ideias de Sartre, seu filósofo preferido.

Os Novos EstrangeirosWhere stories live. Discover now