Capítulo 2 | Atrasos

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Quando chegamos a casa, apressei-me a endireitar as coisas e sair do carro. Ele não disse nada, agradeci-lhe mentalmente por isso.
Entro dentro de casa e encontro a minha mãe na cozinha, a preparar o jantar.
_Finalmente, meu amor, demoraste hoje. - diz-me, limpando as mãos no avental e depois aproximando-se de mim para dar-me um beijo no rosto. Adorava esta parte do meu dia. - Como correram as aulas? - pergunta enquanto me dirigo á sala para pousar a mochila no sofá a fim de aliviar as costas. De volta á cozinha, tiro o sumo de laranja do frigorífico e sento-me á mesa.
_Mais ou menos...até correram bem, mas a última foi péssima. - a minha mãe olha para mim com um sorrisinho, percebendo que me refiro a Matemática. A minha mente passeia pelo momento a seguir...por aquelas palavras e dou por mim a sorrir feito parva. Tenho de parar.
_ Mais alguma coisa que me queiras contar, filha? - questiona novamente, agora á minha frente. É óbvio que eu não posso contar-lhe, por duas razões muito simples:
a) porque não é normal achar um professor atraente, muito menos criar sentimentos por ele
b) se eu contasse o que aconteceu a seguir, a vida do meu namorado tornar-se-ia um bocado questionável. A minha mãe ia querer matá-lo com as próprias mãos.
Ao relembrar esse momento, as lágrimas voltam aos meus olhos e saio dali rápido, dizendo que tenho que estudar. Subo as escadas e fecho-me no quarto, deixando-me cair na cama.
Depois, encaro o teto enquanto deixo tudo sair.
***
Acordo e pelo curto espaço de tempo em que consigo manter os olhos abertos, percebo já ter amanhecido. Faço uma careta devido á horrível dor de cabeça que sinto, lembrando-me imediatamente da noite anterior. Adormecer a chorar n-u-n-c-a é boa ideia. Levanto-me sem vontade nenhuma, para variar e vou lavar a cara, numa tentativa de acordar verdadeiramente. Assim que percebi que isso não surtia qualquer resultado, desci as escadas e fui para a cozinha.
_ Bom dia, meu amor. - vou abraçar a minha mãe - Como dormiste? Não tens muito boa cara hoje, querida. - sento-me á mesa e ela põe-me uma torrada e uma caneca de café á frente. Não tenho fome nenhuma, o que, confesso, é algo estranho para mim. Como resultado, um grunhido sai da minha boca assim que dou a primeira dentada e a minha mãe ri-se. - Tens de te despachar, filha, são quase 8h15. Não vais para as aulas de estômago vazio, se não o que já é complicado fica três vezes pior! - arregalo os olhos e praticamente faço uma maratona nos seguintes minutos. Corro pelas escadas acima, visto-me e lavo os dentes. Depois volto para baixo, dou mais uns goles no café, enfio o resto da torrada na boca e saio.
_Até logo mãe! - digo antes de fechar a porta.
O barulho do motor da camioneta a arrancar da paragem a poucos metros da minha casa faz-me retomar a maratona para a apanhar.
_Espere, por favor! - grito, quase a alcançar a parte de trás do veículo e percebo que alguns passageiros olham para mim com cara de assustados. Até parece que nunca perderam a camioneta! Faço-lhes um sinal desajeitado para que avisem o condutor e rezo para que percebam.
Permito-me respirar de alívio assim que vejo o Sr. João, um senhor amigo da minha mãe e, por sorte, o condutor de hoje.
_ Muito obrigada! Assim já não perco a primeira aula. - digo-lhe enquanto encosto o meu passe á máquina e vou sentar-me.
Olho para o relógio: 8h40. Boa, já estou atrasada. Começando assim, já sei que o dia vai ser maravilhoso...
Desço do autocarro e ajeito a mochila. Apresso o passo pelos corredores e como esperado, a porta da sala já estava fechada. MERDA, a aula é com o -

Filipe
Levantei-me cedo hoje, algo não usual. De facto, não consegui dormir nada á noite, ela tomou conta dos meus pensamentos. Beatriz.
Visto-me e vou para a garagem. Antes de ir para a escola, paro numa cafetaria ali perto para ir buscar um café e alguma coisa para comer.
Ao chegar á escola, estranho o facto de ver tantos alunos cá fora, afinal eu chego sempre atrasado. Quando saio do carro noto o olhar de algumas alunas e alunos sobre mim. Aproveito a deixa para procurar uma pessoa em especial entre eles, mas nada. Rio internamente com o pensamento de que ela me quer copiar em tudo agora. O seu jeito brincalhão e tímido tornam-na algo especial, muito mais o facto de ela ser absolutamente linda e não o saber. Pára, ela é tua aluna - repreendo-me.
Á medida que avanço para o interior da escola percebo, re-asseguro que a razão de eu nunca vir antes do primeiro toque é válida. O barulho, as gargalhadas...tudo me lembra os meus tempos de estudante e outras más experiências.
Afasto esses pensamentos assim que os meus olhos pousam sobre a sua melhor amiga, sozinha, fazendo-me focar novamente nela. Ela é das pessoas mais pontuais que conheço! Estranho...
Passo na sala dos professores para pegar nuns documentos e guardar os trabalhos corrigidos dos alunos que têm aula comigo á tarde. Nesse entretanto soa o primeiro toque, ou seja, os corredores esvaziam-se.
Quando entro na sala todos os lugares estão já preenchidos à excepção de um. O lugar em frente á minha mesa, no qual ela se senta, está vazio.
Começo a pensar em motivos para ela chegar atrasada ou na pior das hipóteses nem vir a aula, mas em instantes começo a massacrar os alunos. Em apenas 10 minutos de aula o quadro está preenchido com gráficos e fórmulas. Ao virar-me para a turma vejo o desespero nas suas caras e rio internamente.
_E é assim que funciona um espectro electromagnético! - finalizo o esquema no quadro - Alguma questão que queiram colocar? - pergunto e vejo alguns arregalarem os olhos, outros a tremer e alguns a dizerem que estava tudo bem. Totós...
Alguém bate á porta, interrompendo o meu momento de tortura. Deparo-me com ela, que arregala os olhos ao ver-me. Conhecendo-a como conheço, não se lembrava que agora a aula era comigo.
_Bom dia, Beatriz! - digo e limpo-lhe o canto da boca com o polegar. Noto a vermelhidão nas suas bochechas e ao fechar a porta novamente, sorrio.
_Bom dia, professor. Desculpe o atraso. - diz-me e vai para o seu lugar. Agora sim, o meu dia está a ir bem.
Prossigo a aula, mas pouco tempo depois ela adormeceu, deixando-me de certa forma preocupado.
O restante tempo passou incrivelmente devagar. A ideia de dispensar a turma passou várias vezes pela minha cabeça, mas não o fiz. Quem quero enganar? Adoro ver os alunos em desespero. Para seu alívio, ecoou o som do toque pela escola e eles tiveram novamente a sua liberdade.

Meu Querido ProfessorWhere stories live. Discover now