Capítulo 26 | Diferenças

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Esta manhã não está a ser nada fácil. Não me consigo concentrar, mal ouço o que a professora de Literatura está a dizer. A única coisa em que penso é no facto de quando esta aula acabar, tenho que vê-lo. Sabendo que isso vai implicar uma tentativa de se explicar por parte dele, não estou feliz com a ideia. Mas, ao mesmo tempo, parte de mim quer ouvi-lo, quer saber realmente o que se passou. E se a Luana tiver razão?
_ Beatriz? Ouviste a pergunta? - ouço a professora chamar-me.
_ O quê? Eu...sim...não...desculpe. - respondo confusa. Raios, Filipe, sai da minha cabeça!
_ Prestem atenção! Esta matéria vai estar no próximo teste.
Baixo a cabeça, chateada comigo própria. Eu não sou assim, raramente me distraio em qualquer aula. Tenho de encerrar este capítulo da minha vida, não posso deixá-lo afetar-me assim, simplesmente não posso.
Ao olhar para o lado, vejo que, a dois lugares de mim, a minha melhor amiga escreve algo num pedaço de papel rasgado de uma das folhas do seu caderno, para me ser passado.
Antes de o ler, olho para ela com a testa franzida, ao que ela me responde com um arregalar de olhos. Credo, vou ler, não precisa de me ameaçar de morte.
'Tem calma, vai ficar tudo bem. No fim, verás que eu tenho razão. Agora tenta concentrar-te. São só mais 30 minutos.'
Outra vez com essa ideia! Parece que em vez de me ajudar, só me quer deixar mais confusa!
***
Bato novamente á porta com o seu nome, já que das últimas três vezes ele não abriu.
_ Eu acho que ele não está aqui, Bea. Deve estar atrasado de novo. - ela avisa-me, depois de desencostar a orelha da porta. Viro-lhe as costas, e vou em direção á funcionária do piso. Não era possível que ele estivesse atrasado, ele só se atrasa para a primeira aula do dia, e esta é a segunda. Quando estou a meros passos da senhora, a rapariga de cabelo encaracolado põe a mão no meu ombro, sem perceber nada do que se está a passar.
_ Vou só saber o paradeiro dele. Quero acabar com isto o mais rápido possível. - digo-lhe, entre dentes. Da maneira que estas funcionárias são cuscas, é sempre arriscado falar de determinados assuntos perto delas. - Bom dia! Podia dizer-me se o professor Filipe Gomes está na escola?
Ela pega no telefone e depois de cumprimentar a mulher do outro lado e quase começarem uma conversa de mexericos, vai direta ao ponto.
_ Não, menina, o senhor professor ainda não veio para a escola...mas tem de esperar, porque ele pode vir para a segunda aula. - responde-me com um sorriso falso e o telefone desviado da orelha, á espera que eu dê meia volta para ela poder realmente fofocar.
_ Obrigada! - respondo, e desta vez a Luana também. Decidimos passar o intervalo no pátio, já que estar no corredor principal, no meio de toda a gente era um bocado desconfortável. Para além disso, a Marina estaria lá e de certeza tentaria falar comigo...e quanto menos tempo eu tiver que olhar para a cara dela, melhor é.
Quando soa o toque para a aula, despedimo-nos, porque ela não tinha esta comigo.
Como esperado, a porta da sala está fechada e a turma está a juntar-se cá fora.
_ E então, nada? - pergunto e os que me ouvem negam. Numa rápida revista em meu redor, vejo a Marina encostada á porta a brincar com o cabelo enquanto conversa com as amigas. Sim, é uma amizade um pouco questionável. Assim que me vê, pisca-me o olho e sorri, enquanto eu reviro os olhos e me esforço por não lhe mostrar o dedo do meio. Dela eu sinto raiva, dele desilusão.
_ Bom...já passaram dez minutos e o professor raramente falta, mas eu acho que é o que se está a passar agora. - um dos rapazes comenta. - Acho que podemos bazar, não?
Com ele saiu 80% da turma, o que significa que restaram alguns cromos, eu e ela. Já faltei uma vez e não vou ficar no mesmo ambiente que ela, então sigo-os.
_ Bea. - ouço a chamar-me. - Espera, temos de fal...
_ Vai á merda, Marina! - calo-a sem me virar. Finalmente uma vitória!

Filipe
- Há 24 horas -
As horas passam incrivelmente devagar aqui, ainda mais sem ter notícias. Quando a noite finalmente caiu, a Beca já dormia com a cabeça deitada no meu ombro. Fico sozinho, a remoer a manhã, a cara da Beatriz quando nos viu, e sinto-me péssimo. Eu conheço a dor, nas suas várias formas. Conheço a dela neste momento, essa muito bem. Fecho os olhos para parar essa corrente de pensamentos, já que não quero voltar dois anos no tempo. Não quero voltar ao dia do meu 'casamento'.
_ Senhor Gomes? - o médico, o doutor Miguel Medinas, aproxima-se. Cumprimento-o com um sorriso rápido sem mostrar os dentes, já que não me podia levantar. Assim, ele senta-se na cadeira ao lado da minha irmã, lançando-lhe um olhar rápido antes de voltar a sua atenção para mim. - Recebemos os restantes resultados. O que se sucedeu foi a formação de um coágulo no interior do coração. Com o tempo, foi desprendendo e alojou-se numa das artérias, provocando uma pausa na circulação sanguínea. Como os pulmões têm alta dependência do coração, sem sangue, não funcionam. Digamos que tiveram muita sorte em terem vindo quando vieram para cá. Cada segundo conta, e muito. Neste caso em especial. Contudo, tudo indica para que em poucas horas o vosso pai esteja completamente fora de perigo.
_ E quando é que podemos visitá-lo? - questiono, ainda atordoado com toda aquela informação, era muita para digerir assim tão rápido. A ideia de que o meu pai poderia estar morto neste momento faz-me ficar atónito.
_ O mais recomendável seria amanhã. Vão para casa, descansem. Não lhe servirá de nada se estiverem assim quando o virem. - aconselha-me, voltando novamente o seu olhar para a mulher ao meu lado. Apesar de tudo, dentro de mim cresce uma inquietação enorme por descobrir o que se passa aqui, entre estes dois.
_ Mas já o podemos visitar ou não? Eu passo a noite aqui, não tenho problemas. - volto a perguntar. Deus, não vejo o meu pai há dias. O mínimo que posso fazer é estar aqui quando ele acordar.
_ Miguel? - a Beca faz-se ouvir, ainda sonolenta. Com que então não há formalidades aqui, bom saber. Ao levantar o olhar para ele, vejo que está surpreendido, talvez assustado. Comigo.
_ Po...Podem. Mas, tal como eu disse...
_ Não se preocupe, doutor. Eu passo cá a noite e a minha irmã vai a casa descansar. - respondo calmamente enquanto lhe passo a mão suavemente pelo cabelo.
_ Claro, como preferir. Então...boa noite. - responde enquanto se levanta e eu reprimo um sorriso.
_ A sério, não vai admitir? - pergunto e ele olha para mim com uma sobrancelha levantada. - Já percebi que conhece a minha irmã e que, se me permite, se preocupa com ela.
Derrotado, o homem volta a sentar-se.
_ Admito...preocupo-me com ela. Conhecemo-nos há uns meses, quando ela entrou para o...
_ Estágio. - dizemos juntos - E eu não queria estar a intrometer-me nem a dizer mentiras, mas eu reconheço um homem apaixonado. E você é um. - o pobre homem olha para mim com cara de assustado, e depois para a minha irmã, o que faz a sua expressão mudar.
_ Como é que soube? - pergunta, de certa forma desacreditado, ao que eu respondo com um encolher de ombros. Um mestre nunca revela os seus segredos. - Aliás, isto é estranho, temos praticamente a mesma idade, e eu estou apaixonado pela sua irmã. Podemos deixar as formalidades de lado? - pergunta, sem saber bem como formular a frase.
_ Com muito gosto, Miguel. - estico o braço para lhe dar um aperto de mão como se nos conhecessemos agora pela primeira vez. - Agora que está tudo esclarecido e eu estou mais descansado, posso pedir um pequeno favor? - ele anui - Bom, eu vim para cá de carro e vou ficar durante a noite, a Beca veio na ambulância e no quadro ao lado da receção vi que o teu turno acabou agora, então terias a amabilidade de levá-la a casa?
Novamente surpreendido com a minha capacidade de prestar atenção a minúsculos detalhes, ele concorda.
_ Espera, esta conversa toda para eu a levar a casa? - pergunta com um sorriso a brotar-lhe nos lábios. Solto uma gargalhada fraca ao ver que se contém para não segurar a mão dela.
_ Claro, achas o quê? Eu sou muito bom a persuadir as pessoas. - ele ri-se, finalmente - Sabes que podes tocar nela, não sabes? - recebo um olhar constrangido por parte dele antes de se levantar e pegar nela ao colo. Acompanho-os até á porta do hospital e vejo-o levá-la para o seu carro, em segurança, segurando-a contra o peito como quem segura a joia mais preciosa do mundo. Tal gesto faz-me sorrir.
Tenho plena consciência de que a minha irmã está num relacionamento, se é esse o nome que se dá ao que ela tem, mas não posso permitir que continue assim. E ele vai ser útil nisso. Vai ajudar a Beca a perceber o que é amar, tal como eu fiz com a Bea.
A única diferença é que ele não vai estragar tudo.

Meu Querido ProfessorWo Geschichten leben. Entdecke jetzt