Capítulo 36 | Happy New Year!

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Filipe
Enquanto conduzo de volta a casa, ela não me sai da cabeça. Odeio-me por pensar assim, mas já sinto a falta dela, não queria que ela tivesse de voltar. Não o digo no sentido de a querer "raptar" nem de a querer tirar de casa, não é nada disso. É só que nestes dias me habituei á presença dela e agora que não a tenho não faço a mínima ideia do que vou fazer para preencher o tempo até voltar a tê-la. Quando me estou a aproximar de um semáforo, o meu telemóvel começa a tocar: Beca.
_ Bom dia, Becs. – Atendo. – A que devo a honra desta chamada?
_ Credo, que bicho te mordeu? – Rio perante a sua resposta e do outro lado da linha, outra pessoa teve a mesma reação que eu. Passo a sorrir quando percebo que é o Miguel. Aquele homem foi a melhor coisa que aconteceu á minha irmã, posso jurá-lo. – Pára! – Reclama e seguem-se cochichos. Não estou a perceber o objetivo deles, mas respeito.
_ Então, Filipe, tudo bem? – surpreendo-me com a voz do meu cunhado.
_ Miguel! Como é que estás? Ainda tens sanidade mental? – Pergunto e ele ri-se. Bem, parece que o mundo acordou extra-feliz hoje.
_ Surpreendentemente, sim. Ouch! – Queixa-se depois do que me pareceu ser a minha irmã no seu estado agressivo virar-se contra ele. Sei que ela ouve bem, mas ouvir uma conversa telefónica dos dois lados? Pura novidade! – Às vezes dá-me cabo do juízo, mas gosto dela. – Solto uma risada nasal, que se torna aberta e genuína quando ouço, ao longe, a voz da Beca: "Não penses que te safas assim, Miguel!". Agora faz sentido, a chamada está em alta-voz. – Ouve, estás livre? Estamos a preparar-nos para ir surpreender o teu pai, e era bom se também viesses.
_ Claro! Em casa? – A ideia deixa-me tão feliz que quase atropelo uma senhora que ia atravessar na passadeira. Depois de receber as indicações deles, sigo caminho.
_ Pai! – Cumprimento-o com um abraço assim que nos abre a porta. Quando nos separamos e ele consegue ver os outros, o seu rosto ilumina-se mais ainda. Não consigo deixar de sorrir.
_ Ohh...o que fazem aqui? – Pergunta, surpreendido, dando-nos permissão para entrar, abraçando cada um á medida que entramos.
_ Decidimos surpreendê-lo! E trouxemos almoço! – A Beca anunciou, animada.
Depois de ir por os pratos na cozinha e de orientar as coisas á sua maneira, juntou-se a nós na sala de estar, onde conversamos até á hora do almoço.
Não tinha percebido o quão estar aqui me faz falta até agora. Tal como não tinha percebido o quanto me entristece, por outro lado. Ver as fotografias da minha mãe ainda não é fácil, acho que nunca será, mas é talvez um pouco mais suportável, se assim lhe posso chamar. Acho que ajudou o facto de por minutos, o tema de conversa ter sido ela e as boas memórias que nos deixou. Confesso que me surpreendi com o meu pai, com a calma com que relatava tudo aquilo e, ainda, sorria como se tivesse tudo sido o mais recente. Acho que de todos nós, foi o que melhor aceitou a situação, talvez por ser mais velho e em parte já esperá-lo. Ainda assim, não sei como conseguiu. Por diversas vezes penso neste assunto e por mais hipóteses que ponha, nenhuma me parece encaixar. Deve ser a força que ela deixou nele a falar mais alto.
Durante a tarde, inteiramos o Miguel de algumas tradições da família, como a ida àquela praia específica, e terminamos o dia com um jogo de cartas. Eu e a Beca nunca apanhamos o jeito á coisa, apesar das tentativas do meu pai de tentar ensinar-nos, portanto fomos os primeiros dois a ser excluídos do jogo. Depois, houve uma disputa entre os dois homens, o que teve alguma piada enquanto durou. Claro que o senhor Ricardo ganhou, sem ofensa ao Miguel.
Nesse entretanto, dei por mim a pensar como seria se a minha Beatriz estivesse ali connosco, a imaginá-la ali com a minha família, e a ideia agradou-me. Imenso. Tenho um pressentimento forte que ela e o meu pai se vão dar muito bem, porque nela vejo o mesmo que a minha mãe tinha. Luz. O mesmo que atraiu o meu pai e me atrai.
É precisamente isso que me diz que foi quase feita para mim, porque ela é a parte que me falta.

Beatriz
Já se passaram duas semanas desde que vi o Filipe pessoalmente, e já estamos no último dia do ano. O que torna tudo menos deprimente é o facto de termos feito chamadas e videochamadas nesse período de tempo. De todas as vezes que quase fui apanhada, consegui inventar desculpas surpreendentemente bem-sucedidas, o que resultava nas gargalhadas dele do outro lado.

Hoje, por insistência da Luana e da minha mãe, juntas, estamos a organizar uma festa de fim de ano. Convidamos os pais dela, os meus avós e a minha tia Anna, a mulher mais incrível que já conheci. É solteira e viaja pelo mundo quando se aborrece de algum sítio. O seu objetivo sempre foi ser independente e temos aqui a prova claríssima de que conseguiu. Sempre que regressa cá, no fim do ano, traz-me sempre montes de coisas, e eu adoro-a por isso (claro que não só). Uma vez, trouxe-me uma das primeiras edições, em inglês, de 'Little Women', e eu quase a matei de susto com o grito eufórico que dei. Apesar disso, ela adora-me.
Já passa das 23h e estamos todos á mesa, a contar histórias embaraçadoras uns dos outros e de nós próprios, e parar de rir mostra-se quase impossível. Até que a campainha toca.
_ Bea, amor, podes ir lá? – a minha mãe pede, por mal conseguir levantar-se. Para além do vinho que bebeu a mais do que estava habituada, o ataque de riso que está a ter não é grande ajuda.
Desconfiada e sem muita vontade, levanto-me e respiro fundo três vezes antes de abrir a porta apenas o suficiente para conseguir espreitar com um olho lá para fora. Pensem o que quiserem, mas tanto quanto se sabe, um psicopata pode aparecer a qualquer momento!
A primeira coisa que vejo é um peito largo, vestido de branco. Pertence a um homem um tanto alto e, atrevo-me a dizer, bonito. Usa calças pretas, um sobretudo da mesma cor e...é muito cheiroso. Assim que reconheço aquelas notas amadeiradas, abro a porta com toda a força e lanço-me para os braços dele.
_ Olá. – Sou recebida num abraço caloroso por ele, que me prende com força contra si.
_ Olá. Tive saudades tuas. – Cumprimento-o, afastando-me de forma a poder olhar para ele. Sorrimos quase que ao mesmo tempo um para o outro que as gargalhadas e desejos de 'Feliz Ano Novo' se fizeram ouvir dentro de casa. Fogos aparecem no céu, as pessoas começam a sair á rua para apreciar o espetáculo e eu só consigo apreciar o espetáculo que é ver refletido nos seus olhos tudo o que nós somos.
_ Feliz Ano Novo, amor. – A sua mão direita sobe até ao meu rosto, acolhendo-o, e num ato quase desesperado, baixa o seu ao encontro do meu e beija-me. Os meus braços posicionam-se no seu pescoço, e quando começamos a ouvir palmas e vozes do outro lado da rua, separamo-nos a rir.
_ Feliz Ano Novo! – A porta da minha casa abre-se.
_ Vê? Eu disse-lhe. – Luana vira-se para a minha mãe e as duas sorriem cúmplices antes de se voltarem para nós. Ok, a tua mãe acabou de ver-te beijar o teu professor, não te passes...Ei, pelo menos ela não sabe que ele o é, certo? Vou matar a Luana.
Olho para ele e vejo que já estava a ser olhada. A sua mão encontra a minha e segura-a, com uma postura serena. Como é que ele consegue?!
_ Não se preocupem, eu já sei tudo. – A mulher aproxima-se de nós com um sorriso genuíno no rosto e abraça-me, afagando-me as costas. Respiro fundo de alívio e largo a mão dele para retribuir o abraço. – Porque não me contaste? Ter-vos-ia apoiado.
Sim, a minha mãe é das poucas pessoas da sua geração com uma mente aberta. Eu sabia disso antes, mas neste momento surpreendeu-me. Pronto, já não quero matar a rapariga.
_ Filipe! Posso tratar-te assim, não é? Não és daqueles rapazes esquisitos a conhecer a família da namorada, pois não? – Filipe ri-se e abraça-a. Tem tudo muita piada até eu perceber que palavra a minha mãe usou. Namorada.
_ Claro, é um prazer conhecê-la, Sra. Júlia. – O sorriso genuíno na cara dele faz-me ficar um pouco mais aliviada. Quer dizer, ainda não oficializamos nada, mas eu não penso em nós de forma casual...e acho que ele também não.
_ Oh, para lá com isso, chama-me Júlia. – A minha mãe ri-se, divertida, e faz-nos sinal para que entremos em casa. Ele agradece, entra, e eu encarrego-me de fazer as apresentações. Todos o adoraram, especialmente a minha avó. Foi muito engraçado quando ela disse que mo ia roubar e ele alinhou. Inconscientemente, tornou-se parte da família, e eu não podia estar mais feliz com isso.
Depois, enquanto não houve sono, ficamos sentados no maior sofá ao lado de Luana, que de bocado a bocado nos lançava olhares de divertimento. Acho que até nos tirou uma fotografia.
Dou por mim com a cabeça deitada no ombro dele. Já não participo na conversa, mas agrada-me ouvi-los conversar como se se conhecessem há anos e não há uma hora, enquanto ele traça linhas com as pontas dos dedos no meu braço. Isso até tudo começar a ficar mais e mais baixo e turvo e finalmente adormecer.

Quando volto a abrir os olhos, ele está a carregar-me ao colo para o meu quarto. 

Meu Querido ProfessorWhere stories live. Discover now