Capítulo 23 | Ilusão

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Ao entrar novamente no edifício obriguei-me a parar para respirar fundo. Afinal, eu estava prestes a fazer algo completamente novo, para mim não era propriamente o mais fácil. Mas por ele, eu conseguiria.
Não pude deixar de sorrir ao encarar a porta que me ia levar a ele. Literalmente a passos de distância da minha felicidade, percebi que não devia ter medo. Na verdade, era um absurdo que tivesse. Ele tinha dito que me amava, tinha visto tudo o que tinha passado e sabia que eu não aguentaria passar por mais uma desilusão tão rápido.
_ Que merda?...- consegui proferir. O sorriso desapareceu do meu rosto, tomando o seu lugar todo o esforço que consegui fazer para impedir as lágrimas de rolarem. A minha mão caiu da maçaneta e eu cambaleei para trás assim que eles olharam para mim. Eles, Filipe e Marina, num beijo bastante caloroso. E eu, feito estúpida, a assistir. Ele afastou-se dela e em passos largos avançou na minha direção, fazendo-me apressar o passo e quase cair pelo primeiro lance de escadas. Estava confusa, muito confusa, principalmente com o olhar dele. Não consegui decifrar o que continha. Seria...medo?
_ Beatriz, espera. - ouvi a sua voz ofegante e ignorei-a, focando-me em descer os degraus o mais rápido possível e sem cair. - Espera...- ele conseguiu alcançar o meu braço e puxou-me para si. Afastei-me imediatamente. - Meu amor...eu...
_ Não. Não venhas com 'Meu amor'. - cortei-o, reunindo toda a força que me restava para encará-lo enquanto repeti as suas palavras, que agora só me magoavam por serem mentira.
_ Deixa-me explicar, por favor. - ele pediu quase em súplica, depois de largar o meu braço. Assim ainda conseguiu uma réstia do meu respeito.
_ Explicar o quê, Filipe? Dizer o quê? Vais dizer-me a que sabia a boca dela? É isso? Vais explicar como ela te atacou? Ou que mereces melhor? - parei para recuperar o fôlego. - É, talvez mereças. Talvez mereças alguém que não te dê tanto trabalho a colar os cacos, bocadinho a bocadinho. Talvez mereças alguém que não esteja toda...partida como eu estou, talvez te desse mais compreensão num momento como este. - assim que me calei arrependi-me de sequer ter aberto a boca, de ter levado aquilo para fora da sala. Atrás dele apareceu a Marina, com um sorrisinho cínico no rosto e, pareceu-me, a câmera do telemóvel não tão discretamente posicionada. Como se o dia não pudesse melhorar! Derrotado, ele soltou o ar pela boca. - Sabes, Filipe...eras o meu porto seguro. Mas desiludiste-me, imenso.
Voltei-lhes as costas e continuei o meu caminho.
_ Eu amo-te, Beatriz. Sempre e para sempre. - parei no último degrau ao ouvir a sua voz chorosa. E todos os cacos voltaram a cair, deixando-me com sérias dúvidas sobre se algum dia poderiam ser colados novamente.
_ Adeus, professor.

Filipe
_ Qual é a tua merda de ideia? - voltei-me para a ruiva e encostei-a á parede, fazendo-a sorrir e colocar as mãos novamente no meu peito. Afastei-me, enojado com ela.
_ Então, Fil, não sentes saudades dos velhos tempos? - ela voltou a aproximar-se, dessa vez tentando beijar-me.
_ Pára! Não percebes? Acabou, Marina. Estou farto de ti e desses teus joguinhos doentios, completamente farto. - segurei-lhe os pulsos e empurrei-a para longe, já com alguma dificuldade em controlar a raiva. - Deixa-me em paz.
Dirigi-me á Secretaria, ia pedir que avisassem os alunos que eu estaria ausente durante o resto do dia. Não estava em condições para dar aulas, muito menos aplicar um teste.
_ Obrigado, bom fim-de-semana. - agradeci á Helena por me dar essa 'ajuda' e encaminhei-me para o parque de estacionamento. No pátio, cruzei-me com a rapariga de cabelo encaracolado.
_ Professor? Está bem? - ela perguntou-me.
_ Sim, apenas recebi uma chamada importante e tenho de sair rápido, desculpa. Encontramo-nos na explicação, sim?
Anuindo, a rapariga ofereceu-me um sorriso simpático antes de seguir o seu caminho para a próxima aula.
Por sorte ou azar, não me cruzei com a Beatriz. Merda! Tinha feito exatamente o oposto do que ela precisava, tinha provocado o seu sofrimento e ela tinha toda a razão em reagir como reagiu. A verdade, o que me colocava mais peso na consciência, era que eu tinha realmente retribuído o beijo quando ela tinha aberto a porta. Tinha deixado ser consumido pelo passado num momento de vulnerabilidade.
_ Beca? - atendi a chamada da minha irmã mais nova.
_ Filipe, vai já para o hospital. O pai teve um infarto outra vez, estou com ele na ambulância, estamos a chegar. - desliguei sem sequer responder. Como se o dia não pudesse ficar melhor! Ao que parece o Karma é mesmo lixado.

Beatriz
No caminho para casa parei de chorar. Primeiro porque acho que já não tinha mais lágrimas, segundo porque a minha mãe voltou há dois dias e ia começar a fazer perguntas ás quais eu não tinha a mínima vontade de responder.
Assustei-me com as sirenes de uma ambulância que passou por mim quase á porta de casa.
_ Olá mãe! - cumprimentei-a ao entrar em casa, pousando a mala no chão e tirando os sapatos.
_ Bea? Não devias estar na escola? - ouvi a sua voz e segui-a até á cozinha.
_ Não...o professor faltou. - respondi a primeira coisa que me veio á cabeça e depois tentei tirar de lá a imagem dele(s). - O que estás a fazer? - perguntei, aproximando-me dela para lhe beijar a cabeça.
_ Estava a preparar o almoço, agora estou simplesmente a fingir que acredito que não se passa nada contigo.
Bufei.
_ Podemos falar depois? - perguntei, com plena consciência de que negar não levaria a lado nenhum.
_ Claro, filha. Sabes que podes confiar em mim, não sabes? - a minha mãe limpou as mãos no avental antes de me dar um beijo na cabeça e depois puxar-me para um abraço. O que eu realmente precisava.
_ Amo-te mãe. - proferi e ela sorriu.

Meu Querido ProfessorDonde viven las historias. Descúbrelo ahora