Capítulo 6 | Preocupação

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Filipe

Vejo-a pegar nas suas coisas apressada, fazendo um esforço para não olhar para mim e depois sair dali. Fico confuso. Eu acabei de presenciar o merda do namorado dela quase agredi-la em público e ela não se moveu. Será que esta não é a segunda vez que isto acontece? É apenas a segunda que presencio, o que me faz ficar bastante preocupado com ela. Ninguém devia ter de passar por isso, especialmente ela. Anjos não deviam sofrer. E, se por acaso isso acontecesse, não deviam ficar sozinhos após o motivo da sua dor se revelar.
Quando dou por mim estou sentado ao seu lado, num dos bancos do jardim da escola. Áquela hora a maioria dos alunos estava em casa, a comer no bar ou então noutro sítio qualquer. Todos queriam distância da escola.
Vejo que ela suspira ao perceber a minha presença ao seu lado e que tenta segurar as lágrimas. Sinto algo estranho ao vê-la assim. O meu coração contorce-se dentro do peito.
_ Beatriz... - começo - O que se passou ali dentro, é a primeira vez que acontece? - pergunto. Temi ouvir um sim como resposta. Ela não se move, não olha para mim. Quase não respirava. Não me deu resposta. Não sei o que fazer agora, tenho um certo medo de pressioná-la a falar. A única coisa que quero fazer é ajudá-la. - Eu só quero ajudar-te, Bea. Ninguém merece um relacionamento como o que me pareceu que vocês têm. - a sua respiração torna-se pesada e a sua perna começa a tremer.
_ Não podes ajudar-me! Não posso aceitar a tu..sua ajuda, não adianta. - é o que ela diz. Apesar de não ter respondido á minha pergunta inicial diretamente, obtive a confirmação que tanto temia.
_ Deixa as formalidades, caramba! - digo, um pouco mais alto que queria - Não penses na minha ajuda como a ajuda de um professor mas sim na de um amigo, alguém que se preocupa contigo. - ela olha para mim, ouvindo com atenção as minhas palavras. Noto a sua surpresa ao ouvi-las. Surpresa por eu ter "explodido" com ela pelo simples facto de querer...olhar por ela.
_ É normal haver desentedimentos numa relação...ele é um bocado ciumento e descontrolou-se um pouco. Quem nunca, não é? - sussurra essa última parte e eu sorrio de lado, percebendo a sua referência a mim.
Suspiro, levando a minha mão ao seu rosto, onde a deixei repousar. Ela não recuou, não disse nada.
_ Não te percebo. Não percebo como pode haver alguém tão puro, Bea. - ela levanta a sobrancelha, confusa - Aquele estúpido faz o que quer e bem lhe apetece, trata-te mal. Não podes achar que está tudo bem, não podes achar que estar num relacionamento tóxico está bem. - ela começa a ficar zangada. Merda. - Ouve-me, por favor. O que eu realmente não percebo é como alguém consegue ver o bem numa pessoa tão...má. Ele pode ser tudo, mas acredita, não é uma boa pessoa. Ele não te merece. - deixo escapar a última parte. Rezo para que não perceba o verdadeiro significado nas minhas palavras, isso só iria causar mais confusão.
_ Tens de deixar de meter-te na minha vida! - sorrio por ela finalmente aceitar a ideia de tratar-me por tu. Ela permanece séria. Resolvo recuar do meu gesto, tirando a mão da sua face. - Eu vejo o bem nele porque o amor é assim. Faz-nos ver o bem até onde não existe, faz-nos achar que aquela pessoa é a mais bonita, a que brilha mais no meio de uma multidão. Estar com ela faz-nos sentir bem, pelo menos em certos momentos. - ela olha para mim. Um olhar que eu nunca tinha visto antes, com um brilho diferente. A minha barriga faz algo engraçado, uma sensação de certa forma boa. - Por isso eu continuo com ele, porque o amo.
Estas palavras pareceram três facadas no meu peito. Cada uma delas foi uma ferida aberta, nunca imaginei que simples palavras tivessem tanto poder. Na verdade nunca imaginei que nada disto fosse acontecer.
_ Já pensaste que talvez ele tenha estes tipos de reação porque não confia o suficiente em ti? - as palavras jorram da minha boca. Arrependo-me no mesmo momento.
Ela fica estática, por uns segundos. Depois parece voltar á realidade e olha para mim indignada, como se eu tivesse dito algo de errado. Bom, tecnicamente disse, pelo menos no momento errado. As suas bochechas ganham um tom rosado, mas não porque disse algo que a deixou envergonhada. Disse algo que a deixou irritada. Algo que a fez pensar, e ela não gostou.
Talvez pelo facto de que o que eu disse era a verdade.

Beatriz
O que raio lhe faz pensar que pode meter-se assim na vida de alguém? Na minha vida? Tenho raiva dele!
Encaro-o, sem saber ao certo o que dizer. Se eu abrisse a boca ia dar asneira e das grandes, algo que não queremos que aconteça, certo?
Por sorte ou ironia do destino, tocou naquele momento para a primeira aula no período da tarde. De qualquer forma iria embora. Levanto-me do banco, ajeito a mala no ombro e antes de sair, olho-o novamente.
_ Até amanhã, professor. - dou ênfase na última palavra, o que o faz formar um ponto de interrogação na testa. Eu queria ser amiga dele e sabia que ele também queria ser meu amigo, mas continuando assim, isto não iria acabar bem.
Porque razão ele tinha que largar aquela "bomba" ali, naquele momento?
As suas palavras eram donas da minha mente, agora. E sempre.

Meu Querido ProfessorWhere stories live. Discover now