Capítulo 10 | Rain

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Filipe

Enquanto a abraço sinto o meu coração acelerar os batimentos. Tento sempre aproveitar cada segundo de todos os momentos com ela, em especial este. Ela fazia-me sentir coisas que eu nunca imaginei, fazia-me realmente bem. E eu sentia-me bastante protetor em relação a ela.
Vê-la chorar partiu-me o coração, na verdade não gostava de ver ninguém chorar. Lembrava-me a minha mãe nos primeiros tempos da doença, quando ainda era tudo um choque muito grande. As lágrimas a correr pelo seu rosto, a sua agonia, a sua dor...sentia-me impotente. Como se ajuda uma pessoa com cancro? Nem sendo médico é possível, ás vezes. Depois de uns meses ela começou a reagir de outra forma, melhor. Em vez de chorar, vivendo no constante medo de morrer, passou a sorrir o máximo que podia e aproveitar todos os momentos. Já que o seu fim se aproximava mais rápido, era mais vantajoso aproveitar o tempo que restava.
"De qualquer forma, o nosso fim está definido a partir do momento em que nascemos, vamos morrer. O que pode ser alterado é quando isso vai acontecer, a mínima coisa pode mudar este aspeto da vida." A minha mãe dizia-me várias vezes isto depois de aceitar a sua realidade.
Não gosto de relembrar certos momentos, sei que vou ficar a remoer certas coisas que só me fazem mal.
Estando com ela, era mais fácil fazer esquecer...ou pelo menos não lembrar com tanta frequência.
_ Mais calma? - pergunto, fazendo-a olhar para mim. Os seus olhos estavam vermelhos e o seu rosto molhado. Ela fungou e enxugou as lágrimas com a manga da sweatshirt.
_ Sim, obrigada pelo apoio...por tudo, na verdade. - ela diz e sorri-me. Um sorriso fraco. O seu telemóvel tocou.
Ouvi-a tentar acalmar a pessoa do outro lado da linha, provavelmente a sua mãe. Olho para o relógio: 17h. Está explicada a reação da senhora, a minha mãe era igual. - Vou ter de ir embora, a minha mãe está um pouco preocupada...- ela diz, pondo a mala ao ombro.
_ Claro. Queres que te leve? - pergunto, o céu escurecia e parecia que ia chover.
_ Não, não é preciso. Moro perto, chego a casa num instante. - anuí, despedindo-me dela.
_ Até...amanhã? - rio e confirmo. Ela sorri.
Depois de a porta se fechar, deixei-me cair num sofá pequenino no canto da sala e sorri. Não queria que aquilo acabasse.
Saí da sala passados uns minutos e a chuva já se ouvia. Odeio usar guarda-chuva, mas também odeio ficar molhado...não tenho escolha.
Lá fora a chuva estava bem pior do que pensava, a água caía torrencialmente. Nas ruas havia um trânsito imenso e os carros passavam rápido, molhando as pessoas que estavam no passeio, ainda que poucas.
Uma rapariga andava rápido e tremia de frio, agarrada á mala.
_ Devias ter-me dado ouvidos... - digo depois de abrir o vidro, parado ao lado dela. Ela assustou-se ao ver um carro começar a andar devagar e depois parar ao seu lado, mas relaxou ao ver que era eu. - Entra, vais ficar doente. Não queremos que apanhes pneumonia e morras. - ela abre a porta do carro, derrotada, arregalando os olhos com o meu comentário.
_ Obrigada... - disse. Gotas escorriam pelo seu rosto. Estiquei o braço para o banco de trás e entreguei-lhe o meu casaco. Ela colocou-o por cima dos ombros, oferecendo-me um sorriso fraco como agradecimento. Ela deu-me as indicações para a levar a casa e segui caminho. Durante aquele curto espaço de tempo em que ela esteve no meu carro, não disse nada. Apenas suspirava ás vezes ou abria a boca para dizer alguma coisa, mas fechava-a logo de seguida.
_ Estás entregue. - disse quando chegamos. Ainda chovia, então apressei-me a sair antes dela, para lhe acompanhar até á porta com o guarda-chuva. - Ficas bem? - perguntei, sem saber bem porquê.
_ Sim, a minha mãe está em casa, não vou ficar sozinha. Obrigada, mais uma vez. - ela sorriu com os olhos antes de fechar a porta atrás de si.

Beatriz
Entro em casa a pingar, literalmente. Ao levantar a mão para desviar o cabelo da cara, caiu o casaco no chão. A minha mãe vai começar a fazer perguntas...o Pedro não usa, de todo, esse tipo de casaco. Ele só usa sweatshirts e casacos desportivos. Este é um sobretudo que quase me faz um vestido, não tem mesmo nada a ver com ele. Subi as escadas e atirei a peça para debaixo da cama, voltando rápido á cozinha, onde a minha mãe esperava por mim, ficando quase sem cor quando me viu.
_ Onde é que te meteste, filha? - perguntou, levando-me á casa de banho para eu poder tomar duche.
_ Não tive aula de filosofia e aproveitei para estudar um pouco de biologia na biblioteca...acabei por me distrair da hora. Quando a mãe me ligou vim embora...começou a chover mais depois de eu já ter saído! - defendo-me. O seu olhar duro desvaneceu e ela não disse nada, deixando-me tomar banho.
Enquanto secava o cabelo, pensei em tudo o que acontecia e na rapidez com que tudo mudava.
Literalmente um segundo mudava muita coisa. Poucas palavras conseguem mudar muita coisa.

Meu Querido ProfessorWhere stories live. Discover now