Capítulo 30 | Curar

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Beatriz
Consigo ouvi-lo chamar-me do outro lado da porta e fecho os olhos, tamanha é a dor que sinto. Apesar do que a Luana me disse ontem, apesar de aquilo fazer algum sentido na minha cabeça, não faz sentido nenhum no meu coração. Não me parece sequer certo. Preciso de tempo. De pensar, de ficar sozinha. Achava que precisava de excluí-lo da minha vida para pensar claramente, sem todo aquele peso em mim. Sim, era esse o plano!
O maior e único problema é que fui estúpida, num nível bastante elevado.
E esse peso só aumentou.
Talvez um dia eu possa chamá-lo 'meu' novamente, e estar numa relação onde há estabilidade o suficiente para que resulte. Não quero uma relação perfeita, até porque isso é impossível. Quero uma em que haja equilíbrio entre estável e instável, porque sem alguns desafios que piada teria?
E para que isso aconteça há que haver amor, por ele e por mim. Eu sei que ele me ama, tal como o amo - tenho a certeza. Mas temos de nos amar a nós primeiro. E isso exige tempo.
***
_ Por mais quanto tempo vais continuar com isto? - pergunta-me a minha melhor amiga. - A sério, fico muito feliz, e até a Júlia nota diferença em ti, mas estás nisso há quase dois meses!
Sim, vivo 'sem ele' há quase dois meses e estou a lidar surpreendentemente bem com a situação. Não o esqueci, e estaria a mentir se o dissesse.
Não, longe disso. Nem pretendo fazê-lo.
Mas estou mais disposta a ouvi-lo. Já não me custa tanto estar no mesmo ambiente que ele e a presença da Marina já não me incomoda assim tanto. Estou...a curar, digamos. Estou a amar-me mais um pouco a cada dia, tudo graças á minha ideia. Deus sabe que foi a melhor decisão que tomei este ano!
_ O tempo que for necessário, Lu. Desde ontem a minha resposta não muda: já faltou mais. Muito mais. - respondo, dando de ombros enquanto tiro duas colheres da gaveta e as enfio depois no gelado de menta e chocolate que vamos dividir. - Agora vamos, antes que o gelado derreta.
Apesar de insatisfeita com a minha resposta seguiu-me até ao sofá, onde com a minha mãe revimos uma série de comédias românticas. Nunca me canso de ver '10 Coisas Que Odeio Sobre Ti' ou 'Como Perder um Homem em 10 Dias'. A história é basicamente sempre a mesma, o clássico enemies to lovers, mas é sempre tão emocionante!
Quando o ecrã fica preto e passam os letreiros, olho para o relógio e assusto-me com as horas. Como é que já são horas de jantar? Foram só...3 filmes? Talvez 4. Perdi-lhes a conta.
_ Não sei de vocês, mas eu tenho fome e nem uma réstia de paciência para cozinhar...pizza? - a minha mãe sugere, acendendo a luz do teto. Como resultado todas fizemos caretas devido á luz amarelada.
_ Eu vou ligar para lá! - a Luana levanta-se e vai buscar o telefone.
_ Eu vou pôr a mesa! - digo.
_ E eu vou comer o resto do gelado! - a minha mãe completa e nós caímos na gargalhada.
Esperamos meia hora pelo rapaz das entregas e levamos outra a comer. Quem inventou isto devia ser um génio, só pode.
_ Importa-se que eu fique mais uma noite? - a minha melhor amiga pergunta enquanto acaba de dobrar a toalha de mesa.
_ Oh rapariga, isso lá é pergunta? Claro que não! És sempre bem-vinda aqui. - a mulher responde, secando as mãos e dando depois um beijo na cabeça de cada uma.
Subimos as escadas, entramos no meu quarto e caímos as duas na cama, porque sim, dormiamos juntas, e quase que instantaneamente adormece...

_ Bom dia, alegria! - ouço aquela voz animada e no mesmo momento que tento abrir os olhos fecho-os, porque a minha querida amiga decidiu abrir as cortinas ainda antes de eu sequer perceber onde estou. Abro então o olho esquerdo, para me habituar á luz.
_ Bom dia...para quê essa animação toda? - pergunto, sentando-me na cama. Credo, nunca em dias de minha vida vi uma pessoa tão feliz ás 7h40 da manhã como a Luana está agora.
_ É sexta feira! O último dia de aulas! Com sorte convencemos o professor de Educação Física a sair mais cedo e depois vamos ás compras. O Natal é daqui a poucos dias, e eu tenho que arranjar um outfit novo. Tu também.
Claro, só podia ser. Desconheço uma pessoa que consiga juntar o útil ao agradável melhor que ela.
_ Mas nós já fizemos as compras, literalmente há uma semana. - olho para os sacos encostados ao lado do meu roupeiro e depois para ela.
_ Eu sei, mas são só mais umas coisinhas. Os detalhes finais. - não consigo não-sorrir com a sua resposta, a mesma de sempre. Adoro esta rapariga, mas acho que ela tem sérios problemas de consumismo. A sua expressão torna-se muito séria de um momento para o outro. - Então, vamos! Levanta-te, donzela. Temos de nos despachar se quisermos ir no autocarro.
***
Arrumo as minhas coisas dentro do estojo, enfio-o dentro da mochila e saio da aula de Inglês, festejando internamente o facto de já só faltar uma aula para acabar o dia. O meu telemóvel vibra no bolso de trás, fazendo-me interromper o caminho até á máquina de bolachas.
Lu ♡: Já que a tua sala é muito mais perto do gabinete de Desporto, podes passar lá e falar de vez com o professor? Se ele nos desse dispensa, ganhariamos uma hora e meia...só vejo vantagens :) - (11:47)
Respondo com '👍' e faço um desvio, subindo as escadas para o segundo piso.
O professor estava no gabinete sempre que não estava a dar aulas, então tenho a certeza de que isto não é uma perda de tempo.
Aproveito para espreitar para dentro das salas de aula dali, uma mania que sempre tive. Ao passar pela penúltima vejo que está vazia, e assim que espreito lá para dentro sinto uma mão quente e com toque firme no meu braço, puxando-me para dentro. Um grito sai dos meus lábios, sendo instantaneamente abafado por outra mão.
Assim que olho para cima e vejo dois olhos castanhos e sedentos, o mundo pára.
_ Temos de falar. Desta vez a sério.

Meu Querido ProfessorWhere stories live. Discover now