Capítulo 3 | Amigos?

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Eles foram saindo da sala, festejando o fim do "Inferno do professor Filipe". Rio quando ouço um dos alunos dizer isto. Pensando bem, um programa com este nome faria bastante sucesso...e se eu fosse o anfitrião? O dobro da audiência.
Quando, como todas as vezes, a Marina - aluna cujo sonho é ser a futura Sra. Gomes - sorriu para mim com todas as segundas intenções possíveis antes de sair da sala, saí de trás da secretária.
Olhei para ela, com a cabeça deitada sobre os braços, alguns fios de cabelo caindo sobre a sua testa, dando-lhe um toque angelical. Permiti-me apreciá-la por mais uns segundos. A serenidade na sua expressão era algo que me fascinava, de certa forma.
_Beatriz? Acorda... - digo num sussurro. Baixo-me á sua frente e o meu primeiro impulso é esticar a mão para lhe desviar os fios do rosto.
_Sim? - murmura ainda com os olhos fechados. Recuo a minha mão. Seguro o riso quando ela abre os olhos devagar e volta a fechá-los numa fração de segundo. Não deve ter dormido mesmo nada.
_ A aula acabou... - digo imaginando a reação que ela vai ter. Como imaginava, ela abre os olhos e assusta-se ao ver-me a centímetros da sua cara. Os nossos olhos encontram-se e senti algo. Como se uma corrente elétrica me percorresse.
_Espera, eu dormi a aula inteira? - ela diz assustada. Levantou-se rápidamente e começou a arrumar as coisas. Até o Flash seria mais lento que ela - Porque é que não me acordaste? - diz alto. Depois parece perceber que me tratou por "tu" e lançou-me um olhar de desculpas.
_Beatriz, calma. - seguro os seus ombros, virando-a para mim. O ato de parar muito rápido fez com que ela desmaiasse nos meus braços. A minha primeira reação foi "bater-lhe" na cara, claro, devagar. Ela abriu os olhos novamente e encarou-me. Ficamos nessa posição por uns segundos, que eu gostaria de tornar infinitos. Novamente, aquela corrente elétrica fez-se sentir. Ela estremeceu quando lhe pus um fio de cabelo atrás da orelha - Estás bem? - perguntei. Ela anuiu e soltei-a.
_ Estou bem, obrigada pela preocupação. Mas de qualquer maneira, isso não lhe interessa. - disse ríspida enquanto pegava na mala. Encaminhou-se para a porta e eu fiquei, literalmente, sem perceber nada do que se estava a passar. Ontem conversamos como velhos amigos, rimos, e hoje ela comporta-se assim? Não é típico dela. O meu sangue ferve ao relembrar a cena de ontem, o momento em que vi o namorado dela beijá-la. E o pior nem foi ele beijá-la, mas sim a maneira como o fez. Era óbvio que ela estava magoada, consegui perceber os seus olhos cheios de lágrimas quando olhou para mim antes de entrar no carro.
_Beatriz...- suspiro. Coloquei a mão em cima da dela, impedindo-a de sair da sala - Eu preocupo-me contigo, é claro que me interessa saber se estás bem ou não. - a sua mão cai e ela vira-se para mim. A sua respiração era agora pesada, estávamos a uma distância perigosa.
_ Mais uma vez, professor, agradeço. E quanto a ontem, o que aconteceu não pode voltar a acontecer. Eu tenho namorado! - respiro fundo. Aquele estúpido era tudo menos boa pessoa. Tudo menos certo para ela. E isso era bastante claro, para qualquer pessoa que tivesse olhos e algum senso comum.
_ Não vejo qualquer problema, Beatriz. Eu sou teu professor, mas também gostava de ser teu amigo. - decido ser sincero. Apesar do que eu disse, ambos sabíamos que éramos amigos. Se ela fosse apenas uma aluna como outra qualquer, eu não estaria a fazer isto. Não estaria a tentar multiplicar cada segundo no mesmo ambiente que ela ou a tentar fazê-la ver que eu realmente me preocupava. O mesmo para ela: se eu fosse apenas mais um professor ela não estaria aqui a ouvir o que eu tenho a dizer. Não iria ficar calma como está, mesmo sem se aperceber. - Não ia beijar-te ou algo do género, ainda mais com o teu lindo namorado a metros de distância.
Ela parece perceber o que disse e as suas bochechas ganham um tom rosado. Baixa a cabeça e tenta sair dali, ato que eu novamente impeço.
_ Desculpe, tem razão. Sou mesmo estúpida! - diz e eu não resisto a fazê-la olhar para mim novamente. O meu polegar sobe do seu queixo para a sua bochecha, onde faço carinho.
_Nunca digas isso! Não és estúpida...até pelo contrário. - ela sorri envergonhada. O barulho de alguém a tentar entrar na sala trouxe-nos de volta á realidade e eu tive de deixá-la ir. - Lembra-te: se precisares de um amigo, eu estou aqui. - recebi um sorriso em resposta. Apenas isto fez-me ganhar o dia.
Fiquei sozinho e suspirei. Nunca ia imaginar que isto me ia acontecer. Nunca pensei vir a importar-me tanto assim com uma pessoa, ainda mais sendo ela quem é. Sei que é errado sentir isto, seja lá o que "isto" seja, mas não consigo evitá-lo. Ela faz-me dizer coisas mesmo sem que eu queira, faz-me agir por impulso e deixa-me muito confuso. Eu via-lhe nos olhos que sentia algo, apesar do que dizia. Os seus atos entregavam-na sem grande dificuldade, apenas o facto de ela corar quando digo certas coisas faz-me pensar que talvez o meu pressentimento esteja certo.
Tive de sair dali. Ficar sozinho no local onde tudo acontece e há olhos e ouvidos em todo o lado só me faz pior. Volto para o parque de estacionamento e sigo viagem até ao único sítio capaz de me acalmar nesse momento.
A praia.

Meu Querido ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora