Capítulo 40 | Crash & Burn

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Abro os olhos devagar, com dificuldade em acostumar-me á luz do sol que já entra pela janela do meu quarto, surpreendido comigo próprio por ter dormido até agora. Geralmente acordo pelas 6h30 para ir correr, mas hoje é diferente.
E, ao lembrar-me do motivo, um sorriso incrivelmente genuíno nasce nos meus lábios. Olho para baixo e vejo a imagem mais bonita que os meus olhos alguma vez puderam contemplar: a minha Beatriz a dormir profundamente com a cabeça deitada no meu peito, abraçada ao meu torso e com a perna sobre a minha. Parece mesmo um anjo. O meu anjo.
Levo uma mão ao seu cabelo e, apreciando a sua expressão tão serena, apaixono-me de novo. Até hoje não sei como é que ela está aqui, comigo, e a posso chamar de minha. Juro que não sei. Por mais que pense, não consigo chegar a conclusão nenhuma sozinho, por isso opto
por estar grato, mais do que por qualquer outra coisa.
– Ah, meu amor...Vamos fazer um acordo. – Sussurro. – Promete que não me deixas agora...e eu prometo, prometo que não te deixo nunca mais. – Ela mexe-se um pouco, e calo-me instantaneamente. A últimacoisa que queria era acordá-la. Assim que ela volta a deitar a cabeça,
sorrio para mim próprio. – És a minha vida.

***
Coloco o boné, vou até junto da cama, deixo-lhe um beijo na cabeça e, de seguida, dirigo-me á secretária. Agarro numa folha de papel do meu bloco de notas, numa caneta, sento-me e escrevo-lhe um bilhete.

"Bom dia, meu amor.
Espero que te estejas a sentir melhor hoje.
É só para te avisar que fui correr aqui perto, e que não devo demorar muito.
Deixei-te o pequeno-almoço preparado na mesa da cozinha, espero que gostes.

P.S. És a melhor coisa que me aconteceu. Espero que estejas consciente desse facto."

Levanto-me, deixo o bilhete na mesa de apoio ao lado da cama, e ajeito-lhe o cobertor, cobrindo os seus ombros. 
Assim que ponho os pés na rua, tenho uma vontade avassaladora de voltar atrás. Mas logo que reparo num senhor a vender flores ao virar da esquina, não hesito em cumprir com a minha ideia.

***
Ao chegar a casa, encontro-a deitada no sofá, a ver televisão, e sorrio perante a imagem. Se eu pudesse ter o meu desejo, veria isto todos os dias.
– Voltei, querida. - anuncio, deixando a chave no despeja-bolsos e virando o boné para trás. Ela vira-se imediatamente para mim e sorri-me, levantado-se para vir ao meu encontro. Abro os braços para a poder abraçar e ela não perde tempo em encontrar conforto no meu peito. Beijo o topo da sua cabeça e inalo o seu cheiro doce, o que faz com que sinta um maior aperto em meu redor. Quando ela levanta os olhos ao encontro dos meus, não hesito em depositar um beijo nos seus lábios. Pode parecer loucura, mas a cada dia que passa, tenho cada vez menor capacidade de ficar longe dela. Parece que por mais tempo que tenha, nunca é suficiente para saciar a sede que tenho da água que ela é.
Mas quando nos separamos e ela encosta a sua testa á minha, reparo que o seu rosto está ligeiramente vermelho, bem como a região ao redor dos seus olhos. Ela esteve a chorar?
Seguro os seus ombros, preocupado, e quando procuro encontrar o seu olhar e ela o evita, fecho os olhos e inspiro com mais força, cada vez mais apreensivo.
– Bea, estás bem? - pergunto com cuidado, sem levantar o tom de voz acima de um sussurro. Ela continua a olhar para baixo, e reparo que o seu pé está inquieto. Não estou a gostar disto. Nem. Um. Pouco.
Ela demora mais do que o suposto a responder, por isso não acredito nas suas palavras quando coloca um sorriso no rosto e responde que 'sim'.
– A sério, não é nada. Não te preocupes, Filipe. - a cada palavra que sai da sua boca, consigo perceber o esforço que faz por falar sem lhe tremer a voz. - Mas conta-me, como foi a...
– Como é que esperas que não me preocupe se chego a casa e encontro a mulher que amo com os olhos vermelhos por chorar e a voz quase a quebrar? - ela revira os olhos e vira-me as costas. Coloco-me á sua frente no mesmo instante, segurando-a pelos ombros para que fale comigo. A angústia que sinto por não saber o que se está a passar é capaz de me matar sem grande esforço.
– Já disse! Não é nada! Estive a passar os canais de televisão e...vi o final de um filme muito triste. Morreu um cão! É por isso que estou assim. Sabes como é que sou com estas coisas, Filipe. - levanto a sobrancelha, ainda não convencido. - É só isso, a sério!
Sinto o coração partir-se, sem perceber porque é que ela não me diz a verdade. Inclino ligeiramente a cabeça e ela solta todo o ar, quase derrotada.
Os seus olhos voltam a encontrar os meus e noto o seu brilho crescente, quando se enchem de lágrimas, bem como uma neblina que declara que ela está tudo menos bem. Levo uma mão ao seu rosto e ela acomoda-se rapidamente ao gesto. Puxo-a novamente para um abraço, mas este não dura mais que breves segundos, pois é interrompido por ela.
– Vou tomar um banho. - anuncia e põe-se em bicos dos pés para me deixar um beijo no rosto antes de desaparecer no corredor.
Deixo-me cair no sofá, ainda desnorteado por tudo o que se está a passar e apoio a cabeça nas mãos. Pensa, Filipe. O que é que pode ter acontecido para a deixar tão abalada?
Tenho uma vontade absurda de lhe arrancar a verdade, mas esta não supera os meus valores. Respeito-a acima de tudo, e por mais que me mate não saber, vou esperar até que ela se sinta confortável para vir até mim e contar-me. É, Filipe, não lixes tudo.
Recosto-me no sofá, tiro o boné e passo as mãos no cabelo antes de agarrar o comando da TV. Acabo por deixar num programa de Fórmula 1, relembrando os tempos em que o via com o meu pai. Ocorre-me agora que ele tem de conhecer a Bea o mais rápido possível. Mal posso esperar por este momento.
O som de algo a vibrar faz-me olhar para a mesa de apoio, onde vejo o telemóvel dela com o ecrã ligado.
Não olhes.
Não olhes.
Não olhes.
Não olhes.
Olho.
E é a primeira decisão que tomo hoje da qual não me arrependo.
Vejo várias mensagens na barra de notificações, mas são de um número desconhecido.
E fazem-me querer partir a cara a alguém. Fazem-me querer terminar o que foi começado ontem.

Meu Querido ProfessorWhere stories live. Discover now