Capítulo 4 | Flashback

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Estacionei o carro. Ao sair, o som das ondas toma conta do ambiente e quase que instantaneamente me sinto mais calmo. Caminhei pela areia até uma rocha grande, onde me sentei. Quando era pequeno, o meu pai trazia-me aqui e contava-me histórias sobre uma menina que adorava o mar. Passava o seu tempo livre a apreciá-lo e dançava ao som das ondas. Mais tarde, contou-me que essa menina era na verdade a minha mãe. Todas as histórias foram momentos que eles viveram, aqui, neste sítio. Há uns anos atrás, a minha mãe adoeceu. Quando o médico lhe informou do diagnóstico e lhe disse que ela tinha que ficar em completo repouso, ficou destroçada.
"Como hei de viver sem ouvir o som das ondas?" dizia ela, várias vezes. Matava-me vê-la naquele estado e não poder fazer nada para conceder o seu desejo. Falei várias vezes com o médico sobre isto, tentei fazer com que ele a autorizasse a ver o mar pelo menos mais uma vez, mas nunca consegui nada.
Farto de ouvir "não", preparei a cadeira de rodas e levei a minha mãe ao carro. Assim que percebeu onde estávamos a ir, emocionou-se. Descemos do carro e levei-a até ao areal. Notei como os seus olhos se iluminaram ao ver tudo aquilo novamente. Fechou os olhos, como se tentasse guardar aquele som na sua mente e sorriu. Foi o último dia da sua vida. Lembro-me de chegarmos a casa e o meu pai estar preocupadíssimo, claro. A minha mãe riu e abraçou-o, com força. Sorri ao vê-los assim, o amor que tinham era lindo. Depois, ela pediu que eu a levasse ao quarto, dizendo estar cansada. Ajudei-a a deitar-se e antes que eu abandonasse o quarto, ouvi "Obrigada, filho. Amo-te muito"
Quando virei as costas, ela já tinha regressado a casa.
Uma lágrima solitária escorre pelo meu rosto ao relembrar esse dia. Olho o mar á minha frente e sinto a sua presença. Para além das ondas, era ela que me acalmava. E agora também uma certa pessoa, com um metro e sessenta e uns lindos olhos castanhos.
Perto da hora de almoço, voltei á escola.

Beatriz
Saio da aula de literatura, que passou rápido demais. Orgulho e Preconceito tem o meu coração. Adoraria ter um Mr. Darcy, mas infelizmente não vivo em 1863.
Apresso-me a chegar ao bar da escola, onde sabia que ia encontrar a Luana, das minhas únicas amigas. Esta era a única ocasião da semana em que conseguíamos conversar pessoalmente, os nossos horários são completamente diferentes.
_ Lu, finalmente! - pouso a mochila numa cadeira antes de a abraçar - Como foi a semana? - pergunto e começo a almoçar. Ela começou a contar como odiava a sua professora de Química e tudo o que envolvia a disciplina. Nós partilhávamos esse ódio por números, entre outras coisas. Eu apenas discordava dela quanto ao ódio pelo professor.
_ Tirando as aulas horríveis de química e a explicação com o professor Gomes, está tudo bem. - engasgo-me com o sumo - Wow, calma! Não morras hoje, por favor! - rio e dou-lhe uma pancada no braço por quase fazer a Coca Cola sair pelo meu nariz.
_ Tens explicação com o professor Filipe? Desde quando? - estava realmente surpresa. Ele não é o tipo de pessoa que "perde" tempo do seu dia a dar explicações ou aulas privadas...ou assim eu pensava.
_ Comecei há pouco tempo, ainda só tive duas sessões. Aliás, ele abriu esse horário há muito pouco tempo. - assinto e mordo o sanduíche - Conheces esse professor? - conheço. E como conheço...Se eu lhe contar tudo, na próxima vez que ela o vir vai dizer algo não muito conveniente. Vou dizer-lhe a verdade, claro, mas também vou omitir parte dela.
_ O professor Gomes é o meu professor de física. - dou de ombros - Apenas estranhei o facto de ele estar a dar explicações, não me parecia esse tipo de professor. - ela arregala os olhos em sentido de concordância. Realmente fazia sentido que todos pensassem assim: ele andava pelos corredores com a cabeça erguida e ostentando um certo "poder", chegava a ser intimidante. Para além disso chegava sempre atrasado, ou seja, não ligava muito ao horário. Tento fazer um esforço para me lembrar de um dia que ele tenha chegado a tempo, mas nada me ocorre. A única opção é ele ter chegado cedo no dia em que eu cheguei atrasada.
_ Realmente, ninguém diria que o professor Gomes dá aulas fora do horário escolar. - ela diz distraída, enquanto stalkeia a conta do Vinnie Hacker. Rio e abano a cabeça. Isto era o que ela fazia enquanto não estava a dormir ou numa aula em que se sentasse na primeira fila. Ninguém era mais fã dele que ela.
O telemóvel dela toca.
_ Não, não há problema. - ela respondeu e começou a arrumar as suas coisas. Faço beicinho ao perceber que vou ficar sozinha - Sim, não te preocupes. Em cinco minutos estou aí. - disse e desligou a chamada.
_Então, está tudo bem? - perguntei. Ela anuiu e veio abraçar-me. Disse que era apenas a sua mãe que precisava de ajuda com as compras - Vá, beijinhos. E comporta-te, Luana. - rimos e ela saiu apressada para o parque de estacionamento.
Voltei a sentar-me para acabar de comer. Tirei o telemóvel de dentro da mala e abri o livro que estou a ler no momento. Este era dos poucos momentos de paz que tinha no dia, então aproveitava-o para ler.
_ Este lugar está ocupado? - estremeço ao reconhecer aquela voz.

Meu Querido ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora