Capítulo 5.

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— Meu Deus!

A exclamação de surpresa feita por Guilherme foi o suficiente para deixar todo o meu corpo em alerta. Por reflexo, busquei o cabo da pistola presa ao coldre na minha cintura. Senti a adrenalina sendo bombardeada em minhas veias, afastando qualquer resquício de sono que ainda restava.

Segui com os olhos a direção em que ele apontava o binóculo e franzi a vista para tentar encontrar o motivo do alarme. Estávamos longe demais para que eu pudesse enxergar qualquer coisa com clareza, apesar do sol nascente começando a iluminar os extensos campos verdes. No terreno delimitado por uma cerca de arame que se estendia além da vista, havia uma casa de estilo rústico em meio a um pátio largo, envolto em flores e plantas com boa aparência. Um caminho comprido levava a uma plantação de pêssegos completamente florescida em tons róseos. Bem ao fundo, um lago pequeno refletia o azul do céu, ao lado de uma espécie de casebre.

Apesar de termos passado a noite inteira de vigia, não havíamos detectado qualquer movimento, luz ou som até o momento — exceto aqueles produzidos pelo cavalo de pelagem caramelo que pastava no terreno.

— O que foi?! — perguntei, esforçando-me para manter o tom baixo. Estávamos sentados lado a lado sobre o teto da Fiorino, enquanto Leonardo descansava do lado de dentro. Dei duas batidas leves no vidro da janela, tentando acordá-lo sem chamar muita atenção.

— O cavalo... — Guilherme começou, inclinando mais o corpo na direção que observava. Depois de alguns segundos, abaixou o braço que segurava o binóculo e olhou nos meus olhos: — fez cocô.

Encarei-o, em silêncio, por vários segundos, tentando entender o que fazer com aquela informação. Só quando a expressão séria de Guilherme se desfez em um sorrisinho, entendi que ele estava tirando uma com a minha cara.

— Vai se foder, Guilherme! — Soltei, num tom alto e frustrado. Ele tentou colocar a mão sobre a minha, mas sacudi meu braço para afastá-lo e pulei para o chão. Meu coração batia com tanta força que doía.

— Que isso, Rebeca, tô só brincando! — Ele tentou argumentar. — Estamos aqui há horas e não aconteceu nada, te falei que não tinha ninguém...

Sequer me dei ao trabalho de olhar para ele ou de responder quando Leonardo colocou a cabeça para fora do Fiorino e perguntou o que havia acontecido. Apertei as mãos em punho na tentativa frustrada de impedi-las de tremer e me afastei, porque também não queria que nenhum deles percebesse como minha respiração estava acelerada.

Quis extravasar toda a raiva que senti de Guilherme com um grito, mas tudo o que consegui colocar para fora foram lágrimas quentes. O ar pareceu mais rarefeito conforme meu coração não desacelerava, dominado por uma mistura de sentimentos conflitantes.

Pela primeira vez me dei conta da tensão nos meus músculos e senti todo o peso da noite que passei em claro. Estávamos de vigia ao relento há mais de oito horas e, mesmo com revezamentos para dormir, a sombra constante do medo não me permitiu fechar os olhos. Por todo aquele tempo estive pronta para o combate, antecipando um ataque repentino ou o encontro com mortos-vivos, pensando que se me distraísse por um segundo, seríamos todos cercados, torturados e mortos.

Mesmo quando a paz somente se estendeu e nenhuma luz ou presença humana irrompeu no horizonte, não consegui relaxar. Insisti para estendermos cada vez mais a vigília, indiferente à confusão dos garotos que não pareciam ver razão em cada sobressalto que eu tinha apenas com um soprar mais forte do vento.

Sob o sol quente da manhã, esforcei-me para conter os soluços que ameaçavam escapar enquanto minhas lágrimas rolavam. Uma mistura de exaustão, raiva e medo se juntaram como um caroço em minha garganta. Sabia que Guilherme não havia feito por mal e provavelmente apenas estava entediado depois que eu os obriguei a manter a vigia hora após hora. Também sabia que ninguém do meu grupo estava sendo negligente ou descuidado, mas nem isso afastava a impressão de que bastava um descuido meu para tudo dar errado.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora