Capítulo 24.

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Por mais que me envergonhe admitir, por nenhum dos curtos segundos em que o choque me desestabilizou, sequer procurei por mais alguém junto de Mei, ou questionei o fato dela estar sozinha. Meu coração subitamente acelerado tornava difícil fomentar um único pensamento completo, além de um alívio tão grande que só poderia ser comparado à primeira vez que me reencontrei com ela, quando ainda estávamos nas primeiras semanas do apocalipse.

Quando meu corpo finalmente respondeu, esqueci qualquer bom senso e corri em sua direção. Senti minha perna ainda ferida arder, mas de maneira nenhuma cogitei parar. Toda a dor e agonia que senti nos últimos dias se esvaíram do meu corpo a cada metro encurtado entre eu e Mei.

Minha Pastor cessou a corrida quando um zumbi chegou perto demais, fixando seus olhos nele, sem rosnar. No momento em que ele tentou dar o bote, Mei saltou para o lado e voltou a correr. Tendo errado o alvo, a criatura caiu no chão e ficou para trás. Aquilo fez meu coração apertar, porque Mei nunca havia se comportado assim - ela sempre escapava deles, mas seu instinto inicial era rosnar para nos alertar. Ver aquilo me fez perceber que, de alguma maneira, ela precisou aprender a melhor forma de lidar com eles enquanto estava sozinha.

Tentei lutar contra o pensamento intrusivo de que o motivo de sua pata ferida era uma mordida de zumbi. Sabíamos àquela altura que o vírus não afetava os animais, mas a mordida ainda era o suficiente para matá-los. Eu não aguentaria reencontrar minha melhor amiga apenas para vê-la morrer em meus braços.

Com a visão completamente turva graças às lágrimas, ajoelhei-me no chão para recebê-la em um abraço apertado. Seu pêlo antes alaranjado e macio estava completamente imundo, escurecido por terra e lama seca. Imediatamente senti a diferença em sua fisionomia, pois Mei estava claramente mais magra, suas costelas aparentes ao toque. Enquanto ela me lambia desesperadamente por entre ganidos de alegria, tentei examinar a pata ferida, mas imediatamente a retraiu.

Estava tão distraída com ela que apenas me dei conta que o mundo à nossa volta ainda existia quando vi um zumbi perto demais - detido a tempo por Samuel, que passou por nós e o acertou com o machado. Só então percebi que o havia soltado em algum momento, mas aquela não era a minha principal preocupação.

- Ela está bem?

- Acho que sim. Obrigada, Samu. - Ele me olhou de canto de olho e assentiu, segurando o machado novamente com as duas mãos que tremiam um pouco. Aproveitei para tentar ver novamente o ferimento da minha cachorra. - Mei, deixa eu ver.

Sob o comando, ela relutantemente deixou que eu pegasse sua pata. Tomei cuidado para segurar onde não estava ferido, mas era difícil identificar em meio a tanto sangue seco e sujeira.

Para o meu alívio, não identifiquei aquele ferimento como nada decorrente de uma mordida ou mesmo um arranhão de zumbi, mas um longo pedaço estava em carne viva. Ainda assim, aparentava ser tratável. Enfiei o rosto no seu pescoço peludo enquanto a envolvia num abraço apertado, sem me importar em chorar alto graças ao alívio que varria meu corpo.

Mei estava longe de ser considerada em sua melhor condição, mas ainda assim parecia fora de perigo. O mais importante era que estava viva.

Independente do motivo de estar ali sozinha.


✘✘✘


- Eu sei, meu amor, eu sei que dói - sussurrei, próxima ao ouvido de Mei e a beijei na cabeça. Segurei sua pata enquanto a água levava a sujeira e deixava apenas a ferida exposta para que eu pudesse tratá-la. Seus choros quebravam meu coração.

Em FúriaWhere stories live. Discover now