Capítulo 44.

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Acertei um soco com força na lataria do carro, como se de alguma maneira aquilo pudesse aliviar a raiva. Então senti as lágrimas começando a descer pelo meu rosto, fundindo-se às gotas de suor que eu já derrubava.

Mei ergueu as orelhas e deu um passo para se aproximar de mim, fazendo sua pata dianteira vacilar. Seus ferimentos estavam enrolados em trapos e parecia que tentamos vestí-la de múmia para uma festa de última hora.

Eu poderia rir, se não estivesse certa de que morreríamos em breve.

— Nenhum dos dois, Rebeca. — Samuel murmurou, fechando o capô do Celta.

Eu nem me permiti ter esperança quando avistamos os dois veículos largados à beira da estrada, mas saber que eles não funcionam ainda foi como um soco no estômago.

Encontrar carros não era impossível. Veículos sempre estavam abandonados pelas estradas — com ou sem zumbis em seus interiores — mas muitos provavelmente ficaram para trás após apresentarem falhas. Além disso, a exposição ao sol e à chuva, sem qualquer manutenção, por mais de um ano, provavelmente não ajudava muito suas condições.

Nunca chegava a ser um problema porque, enquanto perdíamos nas condições, costumávamos ter vantagem pela quantidade. Engavetamentos bloqueavam estradas e nos obrigavam a passar horas tirando carros para passar, mas também rendiam diversos veículos para testarmos e levarmos conosco. Nossa atual condição provavelmente não seria mais do que um problema incômodo, se estivéssemos a alguns quilômetros para qualquer direção, um pouco mais próximos de uma cidade.

Não na porra do mais completo nada.

As paisagens que rodeavam a estrada em direção ao oeste variavam em descampados extensos, florestas de araucárias e plantações abandonadas, até que as primeiras casas de uma cidadezinha começassem a aparecer e mudar tudo. Dessa vez, estávamos a sós com a mata até onde os olhos alcançavam, no meio da rodovia e a mais de um dia de caminhada de qualquer lugar. A situação não seria desesperadora, não fosse o fato de estarmos completamente desidratados e o sol forte brilhar a pino no céu.

Além disso, nosso ritmo estava prejudicado graças aos machucados. Mei mancava um pouco e meu braço rasgado ardia a cada passo, além de precisarmos frequentemente parar para trocar os curativos. Tínhamos medicamentos o suficiente para tratá-los por pouco tempo, mas não estávamos preparados para lidar com qualquer sinal de uma infecção.

Um calafrio passou pelo meu corpo ao lembrar do estado em que eu estava há apenas alguns meses, quando Samuel precisou fazer uma busca de emergência por remédios para que o corte infeccionado na minha coxa não me matasse. A marca feia de quase dez centímetros já estava cicatrizada, mas a senti doer mesmo assim. Provavelmente, eu só estava delirando graças à sede.

Quase toda a água que tínhamos foi usada para limpar nossos machucados durante a noite, e o que restara eram alguns goles em nossos cantis. Guardei a minha parte para Mei, que estava mais debilitada, mas depois de quase uma madrugada inteira de caminhada e um sol forte desde o amanhecer, não sobrou mais nem uma gota, ainda que tenhamos tentado racionar.

Enquanto a lua ainda brilhava no céu, estávamos confiantes, mesmo que nem eu ou Samuel tenhamos trocado uma palavra. Era mais fácil encontrar carros perto de cidades ou postos de gasolina, mas com um pouco de sorte, haveriam alguns pela estrada.

Com quase uma hora de caminhada no escuro, encontramos o primeiro — sem nenhuma gota de gasolina, e provavelmente foi por isso que tinha sido abandonado. Enquanto discutíamos sobre continuar viagem até encontrarmos outro de onde pudéssemos tirar gasolina (ou simplesmente seguir com ele), Samuel percebeu que não havia sinal da chave em lugar algum. Depois de quase meia hora procurando, sem qualquer pista ou sucesso, deduzimos que quem quer que o largara ali, levou a chave consigo. Nenhum de nós sabia fazer ligação direta.

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