Capítulo 61.

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Senti os pelos de Mei roçando na minha mão e acariciei sua orelha enquanto passava a ponta dos dedos pelos livros empoeirados do escritório de Pantera. A Arte da Guerra, O Príncipe, Os Miseráveis... deixei um riso anasalado escapar quando passei por Cinquenta Tons de Cinza. Perguntei-me quantos daqueles livros ela de fato havia lido, e se me emprestaria Os Miseráveis se eu pedisse. Ela poderia simplesmente pegar outra cópia na livraria do shopping.

Do shopping que eu consegui para ela.

Percebi algo diferente saindo para fora de um dos livros, a única coisa minimamente diferente entre todas aquelas lombadas empoeiradas e decorações impessoais do escritório. Puxei com cuidado o que parecia uma fotografia e prendi a respiração com o que encontrei.

Era um retrato de Pantera alguns anos mais nova. Eu seria capaz de dizer até uma década, mas sabia que apenas aquele único ano no apocalipse já foi capaz de nos deixar cicatrizes para uma vida inteira, então preferi não arriscar. Na foto, seus cabelos crespos e escuros estavam mais crescidos e ela usava um vestido amarelo florido tão alegre quanto seu sorriso. Ao seu lado havia um homem alto e bonito, de pele retinta como a dela e com um dos braços ao redor da sua cintura. Pantera segurava um filhote de cachorro preto nos braços, com a linguinha rosa para fora.

Ouvi o clique da porta se abrindo atrás de mim e rapidamente larguei a foto em cima dos livros, como se ela tivesse queimado meus dedos. Mei se levantou em um pulo com o meu movimento repentino, achando que iríamos brincar.

— Desculpe pela demora — Pantera pediu, passando uma mão pela cabeça careca e soltando um suspiro pesado. Eu tinha ido até ali para pegar minha cachorra e a líder pedira alguns minutos para conversar comigo, segundos antes de ser chamada por um soldado para resolver alguma coisa. Depois de ficar esperando por alguns minutos, aproveitei para explorar a sala. — Dá para acreditar que tem gente brigando por causa dos celulares que pegamos no shopping?

Deixei um riso bem humorado escapar e me aproximei dela, esperando que não percebesse que eu estava mexendo em suas coisas. Mei foi correndo recebê-la, mesmo que não tivesse ficado fora por mais de cinco minutos.

A tensão inicial entre nós foi se dissolvendo com o passar dos dias, mas desde o resgate dos sobreviventes e a tomada do shopping, Pantera realmente parou de me enxergar como uma ameaça. Mesmo os soldados que ainda guardavam rancor pela morte de um dos seus aliados se tornaram um pouco mais amigáveis.

Dois dias se passaram desde o sucesso da nossa missão e, como estava oficialmente dispensada do meu posto, passei os dias na casa de Pantera, recuperando-me dos dias de trabalho e fazendo companhia para Samuel. Apesar de sua fratura não ser realmente grave e provavelmente melhorar sozinha dentro de algumas semanas, meu amigo estava profundamente frustrado com o ferimento. Achei que poderia ajudar se passássemos algum tempo juntos, apenas lendo e conversando, como fazíamos na época do condomínio. Parecia ter deixado Samuel mais feliz.

Consequentemente, fiquei na mesma casa de Carol e Pantera, e admito que foi um pouco desconcertante vê-las juntas... como um casal. A mãe de Samuel não pareceu particularmente feliz em me ter em sua rotina, mas me tratou com a mesma cordialidade e leve descaso de sempre, e fui recíproca. Presenciei suas brigas com o filho, agora surpreendentemente frequentes, onde pareciam não serem mais capazes de concordar em nada. A atitude controladora de Carol pareceu apenas se intensificar com o avançar do apocalipse e Samuel já não era mais o mesmo garoto obediente de antes, questionando vocalmente sempre que necessário (e, às vezes, apenas para contrariá-la).

Apesar de todo o estranhamento de vê-la junto com Pantera e das brigas frequentes, aquele havia se tornado um lar feliz. Carol era ativa na comunidade, mas também parecia satisfeita como dona de casa, tomando conta de Lilian e Caio. O garoto que agora já tinha doze anos ficou feliz quando falei que Paulina e Leonardo mandaram lembranças, e me fez prometer que os traria ali assim que possível. Até mesmo Lobo se derretia de amores por Lilian e sempre estava perto do cercadinho da bebê.

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