Capítulo 12.

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Foi como se o mundo ao meu redor tivesse congelado. A madrugada se tornou eterna, toda a realidade afundada na apática iminência do fim.

Mas não era verdade. Apesar do ar falhar em alcançar meus pulmões, aquela música familiar e terrível continuava a ressoar. Depois de identificar o caminhão, era impossível não o enxergar com clareza por entre a massa de cadáveres que o seguiam, seu distanciamento deles evidenciando que a velocidade não parava de aumentar. A completa insânia daquele cenário paralisava meu corpo, como se eu visse a própria personificação da morte diante de mim.

Mei estava parada ao meu lado, as orelhas erguidas e o rosto colado na parede envidraçada, tentando distinguir algo entre as sombras que se alastravam. Em todo aquele ano de apocalipse, jamais havia sentido tanto medo. O toque de seus pelos em minha perna faziam meu coração se contorcer como se eu já soubesse que aquele seria meu último momento ao seu lado.

O desespero provavelmente vazou de meus lábios em um choro, porque os redondos olhinhos castanhos dela se encontraram com os meus. Só então consegui livrar meu corpo da paralisia. Na quase incapacitante aceitação da ruína, percebi que tudo o que me restava era lutar. Ou eu poderia não ter mais nada a perder.

Mal sentindo meu corpo responder à mesma urgência com a qual sentia o coração retumbar, corri até a porta do quarto de Victória e bati com força. Então me dei conta de que não tínhamos tempo para educação. Sem esperar por uma resposta, abri a maçaneta e empurrei a porta até que batesse na parede:

— VICTÓRIA, LEVANTA! É UM ATAQUE!

— O que?! Como assim Rebeca?!

Repeti como pude sobre a urgência da situação enquanto corria para a suíte de Leonardo e Guilherme, onde também estavam as minhas coisas.

Sem tempo para mudar de roupa, continuei com os shorts jeans e a regata simples que havia usado durante toda a tarde quente. Vesti os coturnos enquanto olhava ao redor e tentava obrigar meu cérebro a desanuviar e responder apropriadamente à situação, elegendo todas as ações a tomar dali em diante. Do outro quarto, vinham os questionamentos de Victória, mas os demais sons indicavam que ela também se ajeitava o mais rápido que podia.

— Estamos sendo atacados! — Gritei. Era tão contra nossos costumes no condomínio fazer sons altos que todo aquele cenário parecia apenas um pesadelo. Infelizmente não tive o prazer de acordar. — Deixa tudo, pega só suas armas! Precisamos chegar até o Tom!

Enquanto dava as instruções, vesti minha jaqueta de couro e as alças da mochila que preparamos há menos de algumas horas. Mei batia as patas, confusa e inquieta, enquanto eu corria contra o tempo para vestir o coldre e embainhar as facas e pistola. Agarrei a bandoleira do fuzil e corri em direção à porta, mas, nos meus últimos segundos dentro do quarto, tive o impulso de pegar o machado de Leonardo, que repousava apoiado no armário. Ele sempre o escolhia para as missões de mantimentos, mas como saíra às pressas para o hospital, deixara-o para trás.

Encontrei Victória numa mistura de roupas que seria engraçada em outra circunstância, uma calça jeans e jaqueta de couro por cima da camisola fina. Seu semblante já não tinha qualquer resquício de sono e imediatamente vestiu a bandoleira do fuzil quando entreguei para ela.

— A picape do Tom está do lado de fora, tem uma escadaria extensível atrás da academia. Temos que ajudar a Elisa e as crianças! — informei, enquanto corríamos escada abaixo. — Mei, vamos! Junto!

O estrondo sacudiu toda a casa e as janelas tilintaram quando ouvimos o baque contra o portão. Enquanto seguíamos para a rua, pude ver pelas janelas a frente do caminhão azul, agora com os faróis ligados, colidido contra o portão principal. O som dos pneus se arrastando no asfalto arranhou meus ouvidos quando o veículo deu ré, preparando-se para mais um golpe.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora