Capítulo 32.

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De alguma maneira, eu não esperava que haveria tanto sangue.

Quer dizer, era algo presumível, mas eu apenas nunca havia pensado tão profundamente sobre o assunto.

Nunca tinha imaginado como me sentiria quando rasgasse a pele de alguém desacordado com meu canivete. Como seria pressionar o travesseiro contra o rosto de quem eu sequer conhecia, para abafar seus sons.

Como seria sentir o calor do sangue escorrendo sobre minhas mãos.

— Rebeca?!

Pisquei os olhos repetidas vezes, tentando afastar aquelas imagens da mente. Percebi que eu não tinha respirado por alguns segundos. Virei o rosto na direção do som familiar e encontrei os olhos de Maitê atentos em mim.

Franzi o cenho, então observei o cenário ao nosso redor: por não ser particularmente familiar, demorei um pouco até reconhecer a casa onde eu a havia deixado antes de ir até Blumenau.

Fiquei confusa por alguns segundos. Então abaixei os olhos e encontrei sangue debaixo das minhas unhas.

— Ma... — Tentei dizer, então percebi como minha garganta estava seca. Na verdade, aos poucos comecei a perceber como todo o meu corpo doía. Esforcei-me para falar, apesar do ataque de tosse iminente: — M-maitê... Que dia é hoje?

— Ahn... faz duas noites que você saiu. — A expressão da garota pareceu ficar ainda mais receosa, provavelmente graças aos vários segundos que fiquei em silêncio, processando aquela informação. — Você... está bem? — Ela engoliu em seco, sem parar de mexer na barra da camiseta de banda, como se tivesse medo de fazer a próxima pergunta: — Você não foi mordida, né?

Percebi que eu não sabia responder.

Eu ainda vestia a mesma roupa com a qual havia saído há alguns dias. Abaixei o rosto para dar uma olhada no meu estado.

Por um instante, vi minhas mãos novamente cobertas de sangue.

Senti um grito entalado na minha garganta, mas no segundo seguinte percebi que elas estavam limpas.

Respirar começava a se tornar difícil conforme parecia não chegar ar suficiente aos meus pulmões. Dei alguns passos até onde um espelho pendurado na parede e a sensação de fraqueza evidenciou como eu estava cansada.

Quase não me reconheci no reflexo.

Sempre que eu me olhava no espelho, a primeira coisa que atraía a minha atenção era a cicatriz que começava na testa e seguia até a lateral da minha cabeça, queimando parte da sobrancelha esquerda. Era estranho como ela, de todas as coisas do mundo, foi justamente o que me trouxe segurança naquele momento.

Apesar de tudo, ainda era eu.

O hematoma na altura da bochecha, no entanto, não estava ali da última vez que eu havia me visto. Também encontrei um pequeno corte no supercílio. Eu sabia que estes sangravam bastante, mas meu rosto estava limpo, apesar da gola da camiseta manchada de vermelho contar outra história. Então deduzi que a mesma chuva que deixara meu cabelo no estado lamentável que se encontrava, provavelmente também havia me lavado enquanto eu voltava.

Só que eu não me lembrava de nada disso.

— Não... não fui mordida. — Finalmente respondi. Não sabia o que mais falar.

Caminhei até a poltrona na sala de estar e soltei o peso do meu corpo sobre ela. Ao lado, no sofá, havia um cobertor e uma pilha de livros no chão, junto com um pacote fechado de salgadinho e uma garrafa de água. Provavelmente era ali que Maria Tereza estava dormindo.

Virei meu rosto para a garota mais nova, só então lembrando de perguntar como ela havia passado aqueles dias.

Mas os olhos que me encaram de volta não eram os dela.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora