Capítulo 15.

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A dor, a súbita fraqueza, o pesar... Não sei dizer por quanto tempo aquela mistura de emoções deixou a mim e Samuel atônitos. Meu amigo, que se recusava a olhar para o mesmo lugar que eu para evitar ver o corpo de seu pai sendo devorado por zumbis — e mesmo assim, sequer podia evitar a morte presente no mesmo cômodo, pois Alexandre jazia morto logo ao nosso lado.

Quando o impulso de me mover e desviar os olhos das criaturas desfiguradas a nosso encalço finalmente veio, tentei virar para falar alguma coisa a Samuel, mas senti o corpo vacilar. Coloquei por reflexo o peso na perna ferida quando tentei recuperar o equilíbrio e a dor fez minha visão escurecer.

Achei que iria ao chão, mas a pessoa que eu pretendia consolar foi quem me amparou. Então percebi que tampouco conseguiria fazer aquele papel, pois eu mesma me encontrava chorando.

— Samuel, eu... — Envolvi seu corpo com os braços e encontrei dificuldade para falar mesmo palavras simples, porque me faltava ar. — Eu sinto muito.

Ele não respondeu e eu também não falei mais nada. Ficamos naquele meio-abraço que me sustentava por tempo o suficiente para eu perceber que todo o seu corpo tremia e sons de choro escapavam pelos seus lábios selados. Os rosnados do lado de fora, o crepitar do fogo e os passos arrastados dos cadáveres que se amontoavam, tudo nos lembrava da urgência em continuar e encontrar alguma segurança, mas tivemos dificuldade para nos mover por muito tempo.

Pensei em Mei. Guilherme e Leonardo. Em Melissa, Victória. Nas crianças, em Celso e sua filha... A lista apenas diminuía. Não sabia o paradeiro de nenhum deles e apenas podia torcer para que o grupo que escapou tivesse obedecido Tom e partido dali.

Sentia o sangue escorrer em torrentes do ferimento da minha perna e minha mão tampouco estava em melhor estado, manchando o pijama branco de Samuel. Meu coração retumbava com força enquanto eu começava a perceber que talvez não sairia dali viva. Eu perderia aquela guerra e sequer seria pelos zumbis que destruíram a maior parte da humanidade.

Como se lesse meus pensamentos, Samuel se moveu primeiro:

— Temos que tentar diminuir o sangramento. — Ele ajudou a me apoiar na parede de madeira para que eu ficasse de pé. Então tirou a própria camiseta e mostrou para mim. Além da parte manchada com o meu sangue, estava apenas um pouco suja. — Eu não encostei... no machucado do meu pai.

Simplesmente assenti, tentando ignorar as gotas de sangue que não pareciam ter vindo de mim. Não era como se tivéssemos qualquer escolha, porque nenhuma das minhas peças estava em melhor condição.

Samuel ajoelhou na minha frente.

— Eu nunca fiz um...

— Tem que apertar com força, o mais próximo possível do machucado — instruí, rangendo os dentes quando ele me obedeceu. A dor me fazia suar mais do que qualquer corrida, mas evitei fazer qualquer som enquanto ele apertava quase a ponto de cortar minha circulação.

Finalmente tomei coragem para examinar minha mão esquerda. Por todo o tempo, temi que tivesse perdido um dedo com os tiros, mas os buracos de bala (era difícil saber o total com tanto sangue) se concentravam apenas no dorso. Nem por isso deixava de doer como o inferno. Usando o machado de Leonardo, cortei um pedaço da minha regata e usei para estancar como possível.

Só então me dei conta de que Samu estava parado, seus olhos fixos no corpo de Alex. Os dois estiveram juntos desde o começo do apocalipse e mesmo com suas personalidades distintas, sempre se deram bem. Ouvia meu único companheiro tentando regular a respiração enquanto esfregava a mão no braço repetidamente, controlando-se para não usar as unhas.

Eu sabia que toda a situação era muito mais do que fora da zona de conforto de Samuel. Além da hipersensibilidade aos sons, não ter conhecimento do paradeiro da mãe e acabar de ver seu pai morrendo para nos salvar não ajudava em nada. Sabia que o melhor a fazer era continuar nos movendo, antes que o peso dos últimos acontecimentos nos desestabilizasse.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora