Capítulo 17.

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Quando recobrei a consciência, a primeira coisa que percebi era que já estava escurecendo. A segunda foi que eu preferia não ter acordado.

A dor veio de todas as partes do meu corpo, soterrando qualquer outra sensação. Nem mesmo completamente imóvel a pontada lancinante na minha cabeça cedia e, ainda que a sala de estar não estivesse completamente escura, eu não conseguia distinguir nada pela força da tontura que me acometeu.

Quando tentei respirar, a dor na lateral do corpo foi tão aguda que me arrancou um gemido de agonia. Segurei o ar pelo tempo que pude, mas eventualmente fui obrigada a encher os pulmões e a sensação de ser perfurada por uma faca se repetia toda a vez que eu inspirava. Nunca havia quebrado uma costela antes, mas desconfiava que se tratava de uma fratura. Minha garganta também ardia, e pensei que poderia ter sido por causa da fumaça que aspirei a madrugada inteira.

Meu pescoço estava duro por ter dormido em um sofá, mas bastou que eu tentasse me ajeitar apenas alguns centímetros para sentir como se minha perna tivesse sido rasgada no meio. Havia cabelo no meu rosto, mas a aflição de um movimento mínimo com a mão me desincentivou a tentar afastá-lo.

Incapaz de fazer qualquer outra coisa, deixei lágrimas de desespero escorrerem pelo meu rosto. Nunca na vida, nem mesmo depois de ter o rosto queimado e rasgado por um tiro, senti uma agonia tão desestabilizante. Tudo estava desconfortável, doía mil vezes mais do que em meus piores pesadelos e, em meio à escuridão da sala de estar, comecei a sentir o ar ficar rarefeito.

Quis gritar por ajuda. Naquela hora, eu estava debilitada demais para relembrar o motivo de estar tão miserável e só conseguia repetir para mim mesma que Victória logo chegaria. Sempre era ela que cuidava dos meus machucados e me amparava de maneira doce e paciente. A primeira coisa que eu faria seria agradecê-la pelos cuidados até agora, depois pediria um copo de água para molhar a garganta. Então, pediria ajuda com um banho de esponja e limpar o sangue seco antes de trocar os curativos e imploraria para que ela me levasse até uma cama.

Mas ela nunca veio.

Esforcei-me para lembrar de qualquer coisa, mas tudo se embaralhava numa mistura de medo, com flashbacks do tiroteio e muita dor. Eu nem sabia mais como havia chegado até ali, e me ver sozinha num cômodo que ficava cada vez mais escuro com o cair da noite lentamente se tornou sufocante.

Eu queria ter força para mover minha mão até a borda do sofá, pois era somente o que bastava para Mei vir lamber meus dedos. Então tive muito medo de fazer isso e perceber que ela não estava ali. De me encontrar completamente sozinha.

Meu coração retumbava com tanta força que eu sentia dor física e comecei a ter medo que a minha garganta se fecharia completamente pelo pavor. Respirar doía, permanecer imóvel doía e eu estava tão agoniada e mesmo assim não tinha forças para me mover.

Nunca saberia dizer por quanto tempo eu permaneci estática e apavorada, dividida entre a falta de ar e a agonia, até cair no sono (ou desmaiar) de novo.


✘✘✘


O aroma agradável veio antes mesmo que eu abrisse os olhos.

Todas as dores ainda estavam presentes, mas pela primeira vez percebi uma que antes estava fraca e agora me açoitava com força total: a fome.

Pisquei os olhos algumas vezes até distinguir as sombras iluminadas por uma única vela na mesa de cabeceira. No primeiro instante, a figura escura diante de mim fez meu coração acelerar e todo o meu corpo suar frio, mas aos poucos consegui distinguir suas características.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora