Capítulo 51.

871 189 163
                                    

Mesmo que eu tentasse respirar, o ar não parecia capaz de chegar aos meus pulmões. Senti o mundo inteiro pesar, assim como o revólver que Pantera deixou na minha mão.

Não me atrevi a olhá-la de novo nos olhos, dividida entre a incredulidade, o medo e o mais completo ódio. Não queria dar a ela o sabor de encontrar nenhuma daquelas emoções no meu rosto, mas pela visão periférica percebi que a mulher não tinha mais o mesmo sorriso no rosto e apenas observava a cena com atenção.

Atrevi-me a ter esperança de acreditar que tudo aquilo se tratava de um blefe, mas de que serviria? Desde o momento em que abri os olhos, estava sob o controle daquela mulher. Com Mei e Samuel sob a mira de uma pistola, ela poderia arrancar qualquer informação de mim, então que propósito poderia ter?

Minha esperança tola se dissolveu entre os tique-taques do relógio. Se aquilo era apenas um pesadelo, eu não parecia prestes a acordar.

— Você tem um minuto, Rebeca. Tome a sua decisão, ou eu vou tomá-la para você — ela murmurou.

Apertei com mais força o cabo da arma e meu coração acelerado tornou ainda mais difícil raciocinar. A ficha não caía. De alguma maneira, esperava que Samuel conseguiria se soltar. Que Leonardo derrubaria a porta com um chute e apontaria o fuzil para aquela mulher. Pensei até em cenários que não faziam o menor sentido, como em Guilherme e Melissa aparecendo para explicar a ela que éramos aliados.

Mas o tempo continuou passando e nada naquela sala mudou.

Eu não queria olhar para Samuel. Não queria que ele soubesse o quanto eu estava assustada, ou que percebesse que eu não fazia ideia do que fazer.

A única ficha que caiu era que eu não teria coragem de atirar em nenhum deles. Quer dizer, parecia óbvia a escolha de poupar a vida do meu aliado, que esteve ao meu lado e literalmente salvou a minha vida nos últimos meses... mas não poderia ser eu a atirar na minha própria cachorra. Eu não conseguiria. Em qualquer lembrança desde meus quatorze anos, Mei estava ao meu lado. Ela era o único outro ser além de mim a compartilhar laços com a minha avó e também tinha salvado a minha vida quando me defendeu do ataque de puma

Apenas ponderar aquilo me deixava com náuseas.

O homem atrás de mim limpou a garganta e finalmente encontrei coragem de olhar Samuel nos olhos. Pensei no que Carol acharia se sequer imaginasse que eu estava naquele impasse. Esperava encontrar desespero nos olhos do meu amigo — embora presumisse que ele jamais imploraria pela vida naquela situação —, mas era impossível ler com precisão sua expressão. Então percebi que sua aparente calma talvez significasse que ele já esperava morrer e não aguentei sustentar seus olhos azuis por mais tempo.

Já Mei era transparente como uma poça. Os olhos brilhantes estavam fixos em mim e as orelhas erguidas captavam a tensão no ar. Apesar de tudo, como sempre, parecia feliz por me ver.

Senti o calor de uma lágrima atravessando meu rosto. Só havia uma escolha a tomar para que os dois saíssem vivos.

Eu sabia que Samuel cuidaria de Mei tão bem quanto ela merecia. Sabia também que ela o obedeceria se eu não estivesse ali. Então quis cair de joelhos no chão e chorar mais, porque ela provavelmente nunca entenderia porque eu estourei minha cabeça na sua frente.

Eu não podia.

Olhei na direção do relógio e assisti o ponteiro maior rumar para o último quadrante. Eu já não ouvia mais o tique-taque pois as batidas do meu coração o soterravam. Era como se eu estivesse me afogando, mas não era água que me rodeava, apenas a mais completa desesperança.

Havia uma última opção, que não envolvia atirar em nenhum de nós: ser egoísta. Leonardo jamais me perdoaria se soubesse — mas talvez nem ele exigiria racionalidade de mim naquela situação. Então, perdi alguns segundos tentando adivinhar o que ele faria. O que Guilherme faria, se estivesse no meu lugar. Quem Jin escolheria se tivesse de apontar a arma para algum dos filhos.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora