Capítulo 7.

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Apertei com força as três folhas de papel preenchidas em frente e verso entre os dedos, como se pudesse dar vazão à sensação que sufocava minha garganta. Sentada na grama há mais de uma hora desde que encontramos o corpo, mais uma vez lutava contra as lágrimas que ameaçavam cair. Se eram de pena pela alma de alguém que nunca conheci, pela família arrancada de seus braços ou por mim mesma, ainda faltava descobrir.

Respirei fundo e meu olhar se perdeu em Leonardo, que saía do celeiro segurando mais um saco grande de ração para galinhas sobre os ombros. Como os outros dois que trouxera, este também já havia sido aberto e guardava uma nova mistura de comida, pois a ração original já estaria vencida há meses. Dentro do galinheiro que voltou a ter o seu portão fechado por nós, duas galinhas o encaravam do poleiro e uma terceira ciscava o chão, alheia aos arredores. Provavelmente não tiveram a coragem das outras de sair para explorar e resolveram ficar e aguardar, sem saber que esperavam por um milagre.

Um arrepio cortou minha coluna quando percebi que, dessa vez, Leonardo também saía com a espingarda que encontramos junto ao cadáver, o que indicava que finalmente havia se aproximado dele. Gostaria de dizer que foi o cheiro insuportável da decomposição ou o estado mutilado em que o corpo se encontrava após um tiro à queima-roupa que me impediram de voltar lá, mas qualquer um de nós sabia que eu já estava suficientemente acostumada com qualquer uma daquelas coisas para usar essas desculpas.

A verdade é que desde que havia lido em voz alta pela primeira vez as palavras encontradas naquelas folhas de papel (apesar da insistência de Leonardo para que eu não o fizesse), tive um medo profundo de olhar novamente para o corpo. Medo do desespero que aquela realidade me causava, da falta de esperança que sugava minha vida como um vácuo quando pensava no final feliz que lhe fora negado por aquele mundo onde a felicidade nunca prosperava.

Desde então, não consegui esquecer nem por um segundo das suas palavras, escritas em uma caligrafia bonita e apertadas entre apenas três folhas de papel A4. Criei uma face para a Deusa Injusta na minha mente e não gostei do que vi. Pensei em quantos tempo restava antes que o inevitável ódio cego dela também caísse sobre mim.

"Que ela dê mais tempo a você do que deu a mim, fantasma."

E quanto seria isso, afinal? Dias? Meses? Até ver tudo o que me deu forças para continuar até aqui trucidado numa cena macabra que somente aquele apocalipse podia propiciar... Eu a causaria, ou simplesmente seria incapaz de impedir a catástrofe?

Funguei algumas vezes enquanto observava Leonardo, passando por onde eu estava para deixar os sacos de ração perto da casa, à mão para a hora em que partíssemos. Havia trazido algumas ferramentas em bom estado, além de mais uma pistola e um revólver. Absolutamente sem qualquer ajuda de minha parte, porque não encontrei força para sair de onde estava sentada, perto do lago. Ele estava sem camiseta, a pele úmida de suor graças ao esforço e ao sol forte que brilhava no céu sem nuvens. Depois de largar o saco de ração e as armas na entrada da casa, veio até mim.

— Como você tá? — perguntou, passando o braço pela testa para secar o suor. — Ainda tá mexida com a carta?

Mordi o lábio inferior, como sempre incomodada com a falta de rodeios com a qual ele tocava em assuntos difíceis. Limpei o rosto antes de encará-lo nos olhos.

— Um pouco...

— Você não acha que-

— Ei, Rebeca, Léo — Ouvi a voz de Guilherme atrás de mim. Ele também havia ficado abalado com a carta, mas não o impediu de trabalhar. Parou diante de nós e lançou um pêssego para Leonardo. — Peguei pra vocês. E Rebeca, toma, pra você não torrar no sol. Eu e o Léo já passamos.

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