Capítulo 10.

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Só percebi que eu não era a única pessoa nervosa quando Leonardo deixou um suspiro pesado escapar, passando a mão pelo rosto e empurrando para trás os dreadlocks que caíam sobre a testa. Um fio de suor corria pela sua têmpora, mas podia ser tanto graças ao calor quanto ao nervosismo da situação.

Depois de alguns segundos, os olhos verdes se cravaram em mim.

— Me diz que você não apontou o fuzil pra uma mulher sozinha com uma criança, Rebeca — disse, num tom que fez meu sangue ferver.

— Como se uma mulher não pudesse oferecer risco — rebati.

— Claramente pode — ele encarou meu fuzil e revirou os olhos. — Já falei pra botar a cabeça no lugar. Parece que é você quem quer começar uma guerra.

Senti o ar escapar dos meus pulmões, incrédula com aquelas palavras.

Eu quero começar uma guerra?! Porque eu tenho medo que outra pessoa represente uma ameaça? — Soltei, erguendo a voz. — Acho que é você que está sendo ingênuo! Que direito você tinha de dar aquela informação sem consultar mais ninguém? E se o Jin nos considerar inimigos por isso?!

— Nenhum — ele disse, sem alterar o tom calmo. — Eu peço desculpas por não consultar vocês, mas eu jamais arriscaria a vida de uma criança. Assim que chegarmos em casa, vou imediatamente para o hospital falar com Jin e Anderson.

— A gente nem sabe se a história dela era verdadeira — soltei, sentindo-me obrigada a baixar o tom também.

— Ahn... a menininha parecia mal mesmo — Guilherme nos interrompeu, olhando de um para o outro. — Eu usei a Canela de pretexto para me aproximar. Ela ficou animada, mas estava fraca. Encostei por acidente no bracinho dela e pareceu ter doído bastante.

Só então percebi que sequer havia prestado atenção na criança, dedicando toda a minha atenção a tentar detectar qualquer movimento suspeito da suposta mãe. Senti-me ainda mais frustrada por não ter percebido o que Guilherme relatava.

Vi a expressão de Leonardo se suavizar ao ouvir aquilo e o que parecia ser um suspiro de alívio escapar de seus lábios.

— Você nem tinha certeza... — acusei. O momento em que eu e Hector percebemos tarde demais e que o caminho de veículos que nos obrigava a desacelerar na entrada de Blumenau era uma armadilha latejou em minha mente. — Quando vimos o carro se aproximar, você nem pegou sua arma... e se fosse outro grupo tentando nos roubar?

— Se fosse outro grupo tentando nos fazer algum mal — Leonardo começou e caminhou calmamente em minha direção. Ergueu a mão e bateu com os nós dos dedos no meu fuzil. — Você ia entender que a sensação de segurança que isso passa é falsa.

Franzi as sobrancelhas.

— O que você quer dizer?

— Essas situações ainda são iguais às do mundo antes do apocalipse. Se alguém aponta a arma pra você e te manda entregar a sua, o que você faz? — Leonardo perguntou, sem tirar os olhos de mim. — Começa um tiroteio e coloca a vida de todo mundo em risco, ou obedece para sair viva? A real é que isso aí é um armamento pra guerra. Não serve pra proteger, serve pra matar.

— Eu não sei o que isso tem a ver com o assunto — falei, tomando cuidado para meu tom não parecer acusatório dessa vez. Seu olhar carregava uma certeza que eu queria entender.

— Se formos atacados agora, não é isso que vai nos proteger. Na verdade, se essa mulher apontasse uma arma pra você e te visse apontando de volta, você só teria mais chance de tomar um tiro. — Leonardo falou, e lembrei de quando Hector usou palavras parecidas, no dia em entramos numa farmácia e nos deparamos com outro sobrevivente. Quando o homem desconcertado de medo deu um tiro em Guilherme. — Gente nervosa e armada nunca resulta em coisa boa. — Ele deu uma última batida no meu fuzil, para pontuar a próxima frase: — Só usa mesmo isso quem não tem nada a perder.

Em FúriaWhere stories live. Discover now