Capítulo 23.

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Ficamos presos naquela maldita casa por mais três dias, mas pelo menos tínhamos conosco remédios e encontramos comida o suficiente para nos manter vivos. Com quase um ano de apocalipse, abrir geladeiras era pedir para encontrar somente quilos de comida apodrecida, vermes e baratas e, sem acesso às nossas plantações, no último mês a única escolha que nos restava se resumia estritamente a alimentos não perecíveis.

Estivemos esperando que em um ou dois dias o número de zumbis diminuísse o suficiente para possibilitar uma estratégia de fuga, afinal, sem estímulo constante, eventualmente as criaturas perdiam o foco e esqueciam o que quer que estavam perseguindo para começo de conversa.

Mas é claro que eu havia quebrado uma janela tentando derrubar um pássaro e os ouriçado novamente.

A possibilidade de comer carne sempre era tentadora, mas principalmente depois de um mês de sobrevivência à base de grãos e massas. Nos primeiros meses, praticamente não víamos qualquer animal vivo, mesmo afastados das cidades grandes como estávamos no condomínio. Hoje em dia, aos poucos a fauna sobrevivente voltava a se expor. Quer dizer, os ratos não haviam sumido em nenhum momento, mas depois de os vermos se alimentando de restos de zumbi, não os considerávamos exatamente comestíveis.

Pelo menos, o tempo ocioso que passamos até surgir a ideia de esticar tábuas de madeira como "pontes" de um telhado para outro a fim de conseguirmos fugir, também serviu para esboçarmos um plano para o futuro.

Embora eu tivesse me esforçado para pensar em um argumento decente para passarmos pelo condomínio, alegando que era a estrada que eu melhor conhecia (o que era verdade) e que, àquela altura, talvez os zumbis tivessem se dissipado o suficiente para passarmos, a verdade é que era apenas por desencargo de consciência. Ou, embora eu jamais admitiria, também era uma oportunidade para me despedir decentemente daquele lugar que foi tão especial para nós.

E, bem no fundo, também tinha esperança de encontrar alguma coisa. Algum sinal, talvez uma mensagem deixada por quem sobreviveu... qualquer indício de esperança. A nossa segunda parada e única que de fato fazia algum sentido era em Blumenau, mas a última informação de que tivemos era que o hospital havia sido atacado e o grupo separado depois de ter sofrido baixas consideráveis. Não tínhamos nem certeza de que encontraríamos alguma coisa lá, mas era o nosso único direcionamento.

Se algum dos nossos colegas ainda acreditasse que havíamos sobrevivido, eu pensava que seria no condomínio que encontraríamos qualquer sinal deles. Pelo menos, era o que eu faria.

Tentei afastar meus pensamentos daqueles últimos dias em que estivemos presos:

— Sabe, por mais que eu odeie admitir, talvez a melhor maneira de nos aproximarmos seja com a sua estratégia maluca — falei, chamando a atenção de Samuel. Ele deixou um riso anasalado escapar, sabendo que eu só queria pegar no seu pé. Quer dizer, a estratégia não era mais maluca do que um mundo repleto de zumbis. — Se tivermos sorte e pelo menos o número de zumbis tiver diminuído um pouco, acho que a nossa melhor aposta é estacionarmos por perto e seguir a pé.

— Você vai conseguir dessa vez, ou vai enfiar uma facada no primeiro que se aproximar? — ele provocou e revirei os olhos:

— Desculpa por me importar, na próxima vou deixar você ser comido.

Samuel riu e até eu esbocei um risinho, mas ele logo voltou a atenção à mangueira que usava para retirar gasolina do tanque do Palio, enquanto eu tentava me resolver com o macaco hidráulico para trocar o pneu furado jipe. Senti ainda mais vontade de sorrir lembrando de quando Leonardo descobriu que nem eu ou Guilherme fazíamos qualquer ideia de como trocar o pneu de um carro, quando o do nosso HB20 furou. Ele nos obrigou a "dar um jeito", sem maiores orientações, enquanto fumava um cigarro — claro que se tratava apenas de fingimento e depois de alguns minutos observando nosso esforço infrutífero, nos ensinou exatamente como fazer.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora