Capítulo 59.

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— Minha mãe está furiosa comigo — Samuel comentou, enquanto abria outra caixa e retirava cuidadosamente os acessórios do drone. — Ela ficou desconfiada de que estávamos fazendo alguma coisa e a encontrei acordada de madrugada quando voltei ontem à noite.

— Vocês brigaram? — perguntei, conferindo pela milésima vez a lista do enxoval de bebê que Gorete, a responsável pela logística dos soldados, fizera para nós. Então, dei-me conta do que havia ouvido e ergui o rosto para ele: — Calma. Ontem à noite?!

Samuel olhou para mim por um instante, então deu de ombros.

— Eu te falei que me encarreguei de buscar os produtos de higiene que faltavam com para o bebê. Agora temos tudo da lista.

— Sim, você falou, mas achei que tinha feito isso ontem à tarde, com Toni, como combinamos! Não sozinho e de madrugada...

— Você sabe que Toni nos atrasa mais do que ajuda quando o assunto são buscas — Samuel retrucou. — E ontem à tarde estávamos aprendendo a lidar com os drones. Eu e você precisaríamos ir atrás dessas coisas uma hora ou outra.

Encarei Samuel, sem saber o que dizer. Eu tinha plena ciência de como nosso tempo era apertado, afinal Ana havia nos dado até o final de semana para reunirmos tudo necessário a fim de colocarmos o plano em prática — e isso incluía os itens que usamos como barganha para convencer Igor e seu grupo a participar. Nesse meio tempo, eu estava dispensada das missões de busca, e Toni de sua punição na limpeza. Samuel tinha pouco tempo para passar conosco, uma vez que ele não estava liberado das tarefas para as quais Pantera o designara. Enquanto Ana e Igor não reportassem oficialmente à líder, aquela missão não existia, mas mesmo que o tempo não estivesse do nosso lado, Samuel parecia particularmente impaciente.

— Samu... Eu sei que o nosso tempo é curto, mas eu queria que você parasse de se arriscar assim. — Como imaginei, seus olhos faiscaram na minha direção, mas o interrompi antes mesmo que abrisse a boca: — Sim, eu, Rebeca, que me jogaria no meio de zumbis sem pensar duas vezes, estou te falando isso.

— Você sabe que não precisa se preocupar comigo...

— Samuel — insisti, calando-o. — Eu sei que não. Sei que você é outra pessoa em comparação ao que era desde o começo... e sei do quanto é capaz e como é inteligente e corajoso. — Respirei fundo, tremendo que ele me achasse muito hipócrita. — Só que você não pode começar a se achar intocável... assim como eu e Hector nos achamos, antes de sermos pegos em Blumenau.

As minhas palavras o pegaram de surpresa e ele desviou o rosto, provavelmente porque sabia que sempre me machucava lembrar daquele dia. Larguei a lista do enxoval sobre os caixotes que estavam ao nosso redor e me agachei ao seu lado. Preparei-me para voltar a falar, mas depois de algum tempo em silêncio, ele respondeu:

— Eu só quero te ajudar a libertar a Mei. Quero que você possa reencontrar com Guilherme e os outros... como eu pude reencontrar minha mãe.

— Obrigada, Samuel, mas não se preocupe. Vamos conseguir de um jeito ou de outro. — Apoiei minha mão em seu ombro. — Por favor, pode evitar se arriscar, pelo menos fora da área segura, durante a madrugada? Sei que daqui a alguns dias eu e você estaremos fazendo exatamente isso contra uma horda de zumbi, mas pelo menos não estaremos sozinhos. Eu posso te ajudar se você precisar de ajuda e vice-versa. Isso que nos faz fortes. Sei que fazem menos de três meses que eu escondi de Leonardo que estava ajudando Jin a se vingar dos homens que nos atacaram, mas eu me arrependi dessa decisão, e mesmo que não pudesse prometer a Leonardo que não voltaria a me arriscar, pelo menos jurei que não o faria completamente sozinha.

Observei Samuel enquanto ele respirava profundamente e fechava as mãos em punho. Depois de mais um longo silêncio, olhou para mim:

— Certo. Eu entendo sua preocupação. Só quero conseguir te ajudar e ajudar as pessoas daqui também — murmurou e apertei seu ombro, em sinal de apoio. Então, ele desviou o rosto novamente. — Rebeca, eu... Eu realmente não quero te abandonar daqui para frente, mas... — Ele respirou fundo de novo, sem conseguir olhar para mim. — Ao mesmo tempo, só de pensar em partir depois de reencontrar minha mãe...

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