Capítulo 43.

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Pensei que eu ainda estivesse sonhando, tamanho o absurdo da situação. Que no próximo bote da criatura, eu acordaria com um sobressalto, suando frio, enrolada no cobertor — mais ou menos como eu já estava.

Mas aquele pesadelo era dolorosamente real.

Observei o felino que circundava as mochilas com seus dentes à mostra. Apesar de apavorante, a criatura era relativamente pequena e suas costelas marcadas sugeriam que não estava bem alimentada. Então deduzi que o que provavelmente a atraiu até ali fora o cheiro da paca que caçamos. Eu não entendia muito sobre pumas, mas sabia que não predavam humanos. Devia estar faminta (e ser uma fêmea, pelo seu tamanho) para arriscar se aproximar assim de nós.

O que, por um lado, significava que não tinha muita força para lutar. Por outro, sugeria que não tinha nada a perder.

— Samu... — sussurrei, mas o som já foi o suficiente para fazer o animal soltar outro silvo. Ouvi o rosnado de Mei vindo atrás de mim. Engoli em seco e tentei falar mais baixo ainda: — Dá um tiro para o alto.

— Eu vou tentar...

Desde que nossos olhos se encontraram, não me atrevi a desviar o rosto do animal. Não sabia se eram como tigres, mas sabia que, no caso deles, a melhor estratégia era não dar-lhe as costas.

Atrás de mim, ouvi apenas o mais leve farfalhar de roupas, mas foi o suficiente para que ela reagisse. Foi rápido demais, e a escuridão era tanta, que só me dei conta de que estava prestes a morrer quando o corpo do puma caiu sobre o meu.

— REBECA!

Senti algo esmagar meu estômago e todo o ar vazar dos meus pulmões, mas imediatamente bati a cabeça contra algo e não consegui distinguir mais nada, apenas uma queimação intensa no meu braço esquerdo. Meu único reflexo foi fechar a guarda na altura do pescoço, sabendo que era a única esperança que me restava — mas não demorei a perceber o quão enganada estava.

Abri os olhos com alguma dificuldade e vi a criatura em cima de mim, seus olhos ainda presos aos meus, segundos antes de um vulto derrubá-la. Rolei para o lado por reflexo, querendo me proteger do que quer que estivesse acontecendo, enquanto a dor atordoava meus sentidos e o coração batia tão forte que deixava difícil raciocinar.

Então ouvi o ganido e percebi tarde demais que o vulto que pulou para me salvar era Mei.

Meu braço queimou quando fiz força para me erguer e minha intenção de ajudá-la se mostrou inútil. Eu mal conseguia distinguir o que acontecia e precisei proteger o rosto para não ser acertada por algum dos animais. Ouvi latidos, rosnados e o silvo irritante daquela criatura numa cacofonia que perturbou a calma da madrugada, mas não conseguia distinguir mais do que duas sombras se atracando ao meu lado.

Quis gritar, mas o que pareceram eras com a agonia consumindo meu corpo, provavelmente não durou mais do que poucos segundos. Com um miado de lamento, a puma finalmente se afastou de Mei, carregando uma ferida ensanguentada em seu lombo, e voltou para perto das mochilas com os dentes à mostra. Minha cachorra estava em pé e seu rosto era indistinguível sob o sangue.

— Mei, fica! — implorei, esticando-me para segurá-la. Ela ainda estava nervosa, por isso rosnou até para mim.

Eu e Mei nos encolhemos quando o barulho do tiro reverberou pela madrugada. Samuel deu um passo para ficar entre nós e o felino, com a pistola em punho. Não sabia se ele não tinha mirado nele, ou apenas errou o tiro.

O puma mostrou os dentes mais uma vez, mas a aproximação do meu amigo após o estouro o fez se afastar de vez, não sem antes agarrar a alça da mochila com os dentes. Mei fez menção de persegui-lo, então precisei segurá-la com ainda mais força enquanto o felino se perdia entre a grama alta do descampado e corria em direção à floresta.

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