Capítulo 8.

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— Tá, deixem eu fazer uma pergunta meio pessoal — Leonardo chamou, interrompendo minha discussão sem sentido com Guilherme a respeito de quem tinha dado mais mole no dia em que nos beijamos pela primeira vez. Tomou um gole direto da garrafa de vinho que acabara de tirar de Guilherme, provavelmente esquecendo da taça que deixou sobre a mesinha de centro onde apoiava os pés. O olhou para cada um de nós: — Por que vocês nunca ataram namoro? Eu sei do rolo envolvendo seu antigo amigo, Gui, mas e antes disso?

Por impulso, meus olhos encontraram os de Guilherme, sentado do lado de Leonardo, mas nenhum de nós sustentou encarar o outro por muito tempo.

— Eu e a Rebeca... — Ele murmurou. Vendo o quão sem jeito ficava ao tentar explicar, senti meu coração bater mais forte, encontrando a resposta:

— Acho que por medo — falei, evitando olhar para qualquer um deles enquanto fingia que procurava pontas-duplas na minha franja (Melissa sempre fazia isso, e eu gostava como a fazia parecer elegantemente relaxada). — Tornar oficial parecia que só iria aumentar o que tínhamos a perder.

De canto de olho, percebi que Guilherme assentiu. Aquela noite me trazia uma mistura de sentimentos estranha, mas relativamente agradável. Eu e ele sempre evitamos conversar sobre nossos sentimentos, mas na última hora (embalados por goles de vinho e perguntas que se tornavam cada vez mais íntimas) estávamos encontrando pela primeira vez uma oportunidade confortável de fazer aquilo. Era bom me abrir, e perceber que ele concordava comigo.

Nossa troca de olhares cúmplice foi interrompida por uma risada debochada de Leonardo.

— As caras até enganam, mas vocês são dois pirralhos mesmo.

— Sou uma pirralha por não querer me magoar?

Meu tom ficou mais sério enquanto olhava nos olhos de Leonardo e, percebendo a mudança, respondeu-me da mesma maneira:

— Não, apenas por tentar fugir.

— Como se desse para julgar como cada um lida com essa merda de mundo — Guilherme disse, igualmente mordido com o comentário. — O que é certo, então?

O tom animado da última hora mudou, mas percebi no olhar de Leonardo que não era isso que ele queria quando soltou um suspiro:

— Escuta, eu também já tive uma época onde fingia que não sentia tanto porque achava que isso me faria mais forte, ou me pouparia sofrimento. — Finalmente pareceu lembrar da taça de vinho, porque se desencostou do sofá para virar nela o resto da garrafa. Fiz menção de tirar meus pés cruzados do seu colo, mas ele os segurou gentilmente ali. — Mas eu só estava sendo um idiota mesmo. Acho errado pensar que a dor é o suficiente para se arrepender das coisas que sentimos antes dela. Principalmente agora.

— Mas não é imaturidade querer sofrer menos. — Guilherme falou. — Principalmente agora.

— Não, é só loucura mesmo — Leonardo respondeu, àquela altura seu tom muito mais suave, retomando a conversa leve que tínhamos: — sacrificar bons sentimentos para sofrer menos... Se é justamente por te fazer sentir tão intensamente que algo te fez bem.

Ouvi o final de sua reflexão olhando para as estrelas através da porta dupla escancarada. Já era tarde da noite, mas a sala confortável onde nos apertávamos num único sofá reclinável (propositalmente ignorando os outros dois vazios) estava bem iluminada graças às duas lanternas-lampiões que nos banhavam numa luz amarelada. Estava mais fresco em comparação ao calor impiedoso que reinou a tarde. Eu me atreveria a dizer que era uma noite perfeita, não fossem os mosquitos.

Mas se aqueles insetos nojentos não quisessem me dar a perfeição da noite, não podiam me tirar a que foi todo aquele dia de verão. Apenas por lembrar, eu voltava a me sentir como a pré-adolescente apaixonada que devo ter parecido o dia inteiro, com o coração batendo com força cada vez que me aproximava de qualquer um dos garotos que eu amava.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora