Capítulo 36.

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— Hm.

Mesmo não parecendo nenhum indicativo de perigo, o murmúrio de Samuel me deu um sobressalto. Eu estava de costas para Paulina e Maitê ficava protegida entre nós, mas o grupo de zumbis com o qual esbarramos era maior do que prevíamos.

— Samuel, tudo bem?! — Afastei a criatura que tentou dar um bote em mim com um empurrão. Ainda que a grossura da jaqueta de couro fosse o suficiente para segurar a mordida, não deixei de agradecer pela segurança que o equipamento policial que eu vestia também oferecia. — Paulina!

Senti os braços doloridos enquanto me afastava para que ela finalizasse a criatura com um golpe poderoso do cassetete.

Apesar de ter pouco espaço para nós cinco nos movimentarmos, aquela ruela era relativamente estratégica para lidarmos com os zumbis ao nosso encalço. Mesmo que se tratasse de um grupo grande, não mais de meia dúzia conseguia se espremer por entre as paredes das casas que nos cercavam. O problema é que subestimamos quantos encontraríamos, mesmo tão longe do hospital.

Depois de tanto tempo afastada de uma "cidade grande" (parecia irônico chamá-la assim, agora que estava tão devastada e dominada pela morte quanto qualquer outra), era surpreendente como havia barulho. Os grunhidos de zumbis nunca cessavam completamente, mas daquela posição, ouvíamos o que parecia uma multidão a menos de cem metros, em conjunto com os passos arrastados e os sons de quando esbarravam em latas de lixo ou carros velhos.

Todos estávamos bem acostumados com aquilo: a necessidade de combater até seus braços estarem a ponto de desprender do corpo, a movimentação rápida para não acabarmos cercados e comidos, o medo constante... exceto Maitê, que apesar de tentar ao máximo não deixar transparecer o pavor, mal conseguia disfarçar o quanto seu corpo tremia. Não que fosse surpresa, já que era a primeira vez que era exposta a uma situação tão perigosa.

— Tudo. — Samu me respondeu e, depois de me desvencilhar de mais um, tive alguns segundos para checá-lo. Olhava de perto para uma criatura que estava a menos de dois metros dele, acompanhando seus passos para se afastar sempre que ele se aproximava. O zumbi era lento, os movimentos letárgicos demais para alcançá-lo mesmo quando tomava impulso para dar um bote. — Hanna tem razão, eles parecem mais frágeis. Não todos, mas a maioria.

— Autofagia. — Paulina comentou. — Não têm mais tanta comida disponível para conseguirem energia, então precisam tirar das próprias células. — Ela golpeou o último zumbi e limpou a testa suada com a parte de trás do braço. Havíamos sido encurralados por um grupo de quase duas dúzias de zumbis, e apesar de conseguirmos lidar com eles, precisávamos voltar a nos mover para evitar os que com certeza seriam atraídos pelo barulho. — No mundo normal, o processo é mais rápido, mas nesse circo, aparentemente o tempo para se canibalizar completamente é mais extenso.

— Presente, professora. — Leonardo provocou, em referência ao fato de que Paulina costumava ser professora de biologia antes do apocalipse. Ele apoiou o machado nos ombros para alcançar o cantil preso à mochila e tomar um gole de água.

— Como está seu tornozelo?! — perguntei para Samuel, um pouco irritada com a brincadeira. Ou com o fato de que eu não conseguia me sentir tão relaxada quanto eles.

Seus olhos azuis pararam sobre os meus por alguns segundos, então ele virou para finalizar o zumbi com uma facada na altura do olho. Assim como eu e todos os outros, também vestia, por cima de suas roupas, equipamentos do uniforme da tropa de choque.

— Estou bem, Rebeca — ele me assegurou. — Já não sinto mais dor nenhuma, mas vou avisar caso precise de ajuda.

Apesar disso, a forma como ele me observou antes foi o suficiente para que eu entendesse seus pensamentos. Já não era a primeira, nem a segunda vez que eu me sobressaltava sem maiores motivos. Tanto meu tom de voz quanto a forma como minhas mãos tremiam deviam ser o suficiente para aquelas pessoas que já estiveram mais de uma vez nas ruas comigo perceberem que havia algo errado.

Em FúriaWhere stories live. Discover now