Capítulo 30.

1.5K 292 257
                                    

— Fica perto de mim, entendeu? — Virei a cabeça para trás e sussurrei. — Eu te aviso quando for a sua hora.

Como minha lanterna era a única iluminação naqueles corredores escuros, foi difícil ver com clareza, mas imaginei ter distinguido a figura de Maitê assentindo. Voltei a caminhar, os sons do meu coturno ecoando pelo supermercado vazio. A cada passo, sentia o leve puxão do aperto da adolescente na minha jaqueta.

— Eu tô com medo, Rebeca — falou e de imediato percebi como tinha dificuldade de manter a voz baixa. Mesmo se não tivesse me falado, o pavor era evidente na fala oscilante.

— Eu também, Maitê. — Assegurei-a, intensificando o aperto no cabo do machado. — É sempre assim aqui fora.

Ela ficou claramente tensa, mas assim era melhor. Tudo bem, eu podia não sentir mais o pânico incapacitante das primeiras semanas, mas queria que Maitê entendesse o quão perigoso aquele mundo era e que nunca poderia abaixar a guarda. Talvez, mostrando que uma pessoa que ela admirava (modéstia à parte) também estava assustada, entendesse a seriedade.

— Preciso que você fique de olho na nossa retaguarda, ok? — Pedi, mas não virei para ver se ela assentiu. — Eu...

Minha fala foi cortada por um rosnado próximo e senti o aperto em minha jaqueta se intensificar. Caminhávamos lentamente pelos corredores do supermercado, sob a luz de um feixe da lanterna, a fim de vistoriar se estava a salvo, mas pela primeira vez eu queria encontrar um zumbi. Sentia-me um predador atrás dele.

— Está no corredor do lado — informei, dessa vez sem medo de erguer a voz.

Quase como se me respondesse, a criatura soltou um rosnado e ouvi o som de seus calçados gastos se arrastando no chão. Estava vindo até nós.

— Vai chegar por esse lado. — Coloquei a lanterna sobre uma prateleira, mirando-a na direção de onde ouvia os passos se aproximando. — Presta atenção agora: se vier só um, eu deixo para você; se vierem mais, ou se esse correr, vai imediatamente para trás de mim, entendeu Maitê?!

Foi quase cômico como a ouvi claramente engolindo em seco antes de assentir. Achei que precisaria lembrá-la de se armar, mas afinal a garota esticou o braço trêmulo para alcançar que estava preso em sua mochila.

Deixei que ela escolhesse a própria arma. Eu não podia cobrir com açúcar: Maitê tinha uma desvantagem por causa do seu braço amputado. Não era o dominante, mas não deixava de ser uma limitação significativa em seus movimentos e fui sincera ao conversar com ela a respeito disso. Sabíamos que grande parte da hesitação de Jin em deixá-la sair se devia a esta questão. Fiquei receosa que o assunto pudesse lhe deixar chateada, mas encontrei bastante maturidade enquanto me ouvia.

Reforcei como, não apenas para ela, mas para todos nós, a melhor escolha era sempre correr e evitar o conflito. Escolher um lugar seguro e se posicionar, recalcular sua rota. Então ela me contou que já havia cruzado com zumbis nas poucas vezes que esteve fora por conta própria, e desde sempre fazia isso. "Eu sou rápida, sempre fui" garantiu. A confiança dela me arrancou um sorriso sincero, mesmo sabendo que provavelmente tudo mudaria quando ela se visse precisando enfrentar um zumbi.

Depois disso, estudamos juntas qual era a melhor arma e a forma mais eficiente de combater. Àquela altura, a maioria de nós preferia usar algo de curta distância, como barras de ferro, bastões ou machados, e ter como segunda opção um bom facão. E, claro, uma pistola sempre carregada no coldre.

Sem o braço de apoio, ela não teria a força necessária para derrubar um zumbi com um bastão, então a escolha lógica seria uma faca. A questão era que, com mais frequência que gostaríamos, elas ficavam presas no crânio dos zumbis, que as levavam junto quando caíam no chão. Guilherme se tornara muito bom usando facas, mas eu, por exemplo, não as achava tão seguras.

Em FúriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora