Capítulo 67.

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O meu desespero era tamanho que sequer consegui emitir um grito, mas os olhos arregalados de Valentina me sugeriram que ela não teria a mesma reação.

Agarrei-a o mais rápido que pude, puxando-a na minha direção enquanto cobria sua boca com a mão. Senti todo o meu corpo doer com o movimento, o sangue parecendo nunca parar de escorrer do meu pescoço, mas não afrouxei o aperto. Ela tentou se debater, mas quando apontei o revólver para sua cabeça, ficou imóvel.

— Valentina, você viu o machucado no meu pescoço, não viu? — sussurrei em seu ouvido. — Eu não tenho nada a perder aqui. Se você gritar ou tentar chamá-los, eu vou apenas matar nós duas, entendeu?

Aquele era um blefe — e um bem fraco por sinal. Eu tinha muito a perder sim: Mei. Ainda assim, ela assentiu enfaticamente, sem oferecer qualquer resistência. Também podia estar apenas tentando me enganar e planejando gritar no momento em que eu tirasse a mão da sua boca, mas a verdade é que eu não tinha muita escolha. Precisava sair dali o mais rápido possível.

— Você sabe se algum deles deixou a chave do carro aqui embaixo? — perguntei e ela demorou um pouco, mas então assentiu com a cabeça. — Vai me contar onde está?

Ela assentiu de novo. Então, respirei fundo e tirei a mão da sua boca. Soltei o ar devagar, nervosa e atenta a qualquer sinal de que ela me trairia. Valentina estava segurando minha mão e acompanhou o movimento enquanto eu abaixava um dos braços — mas mantinha o outro erguido, com a arma apontada para ela. Então sussurrou, tão baixo que tive dificuldade para ouvir:

— Quem fez isso no seu pescoço?

— Dominic. Depois que eu resisti à tentativa de estupro.

Ela deixou um suspiro de surpresa escapar e levou as duas mãos à boca, talvez pelo choque, talvez apenas preocupada que eu não fosse gostar que tivesse feito aquele som. Sequer entendi porque me sentia compelida a respondê-la. Definitivamente não era uma necessidade de me justificar pelo que havia feito... então, percebi que talvez apenas quisesse colocar o veneno para fora. Falar o que aquele homem tentou fazer comigo.

Contar o motivo pelo qual eu o matei.

— E ele... Você... — começou, mas ou não quis, ou não conseguiu terminar a frase.

Diante do meu silêncio, Valentina lentamente virou o rosto para trás até conseguir me olhar nos olhos. Sua expressão era difícil de ler, mas não me parecia exatamente odiosa, ou mesmo apavorada. Na verdade, se não fosse uma inimiga, arriscaria até mesmo acreditar que havia compaixão no seu olhar.

Porém, a dor no meu pescoço era um lembrete constante de que meu tempo escorria junto com o sangue que eu perdia. Ignorei a sua pergunta.

— Onde está a chave do carro? — perguntei, apontando o revólver para o rosto dela a fim de lembrá-la o motivo de estarmos ali.

— N-na mesa de centro! — falou, aumentando a voz sem perceber. Imediatamente se corrigiu, com um sussurro desesperado: — Desculpa! Eu não vou fazer nada para te entregar, eu prometo. E-está ali. É do carro do Lorenzo, o que está estacionado na frente. Eu não sei onde está a outra... — Valentina apontou para onde a chave estava, bem ao lado da lanterna.

— Certo — murmurei, calculando meus próximos passos. Por reflexo, levei a mão livre até a bandagem em volta do meu pescoço e o desespero me assolou com força total quando a senti úmida. — Alguém sabe que você está aqui embaixo? Quanto tempo até darem sua falta?

Observei, provavelmente tão tensa quanto ela, a forma como molhava seus lábios rachados com a ponta da língua. Seus olhos às vezes desviavam momentaneamente dos meus para a direção do canivete no meu pescoço. Eu já não a segurava, o que tecnicamente a deixava livre para tentar fugir, mas Valentina permanecia parada à minha frente.

Em FúriaWhere stories live. Discover now