Capítulo 14.

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Quando nossos olhos se encontraram, vi um sorriso maníaco se abrir em seu rosto. Tudo provavelmente aconteceu em segundos, mas cada detalhe pareceu se desenrolar diante de mim em câmera lenta.

Vi com clareza o rosto deformado pelas queimaduras a poucos passos, o ódio brilhando em seus olhos como fogo. Todo o seu corpo estava coberto de sangue e uma densa torrente escorria de uma ferida recente no pescoço, mas ele não parecia se importar. Como se quisesse me confirmar que aquela missão de fato era suicida e só tinha um objetivo: nos arrastar junto com ele para o inferno.

Ainda que falhasse, a multidão de mortos que nos rodeava se asseguraria de finalizar a tarefa.

Contando os segundos para o momento em teria minha cabeça estourada por uma rajada de balas, meu único pensamento foi que eu morreria sem que as pessoas que eu mais amava soubessem. Leonardo, Guilherme e Melissa, todos estavam longe do condomínio. Mei não entenderia o fato da dona dela nunca ter voltado. Apesar da melancolia que a ideia me trazia, pelo menos agradeci por eles estarem bem longe dali naquele momento.

Fechei os olhos por impulso quando ouvi o estampido e esperei a dor me rasgar, mas tudo o que chegou até mim foi o som de um segundo tiro. Quando abri as pálpebras, os olhos sanguinários ainda estavam fixos em mim, mas agora substituídos por uma expressão de choque.

A mão baleada de Adão soltou o fuzil por reflexo, que não estava preso com a bandoleira e foi direto ao chão. Com o rosto se contorcendo de dor, seus olhos buscaram a autoria do ataque ao mesmo tempo que os meus. O fogo crepitava no local onde a última explosão acontecera e Tomas e Samuel estavam caídos a alguns metros do local. O homem mais velho tinha a pistola em punho e percebi que tentava inútilmente atirar de novo, mas pela falta de sucesso, presumi que estivesse sem balas no pente.

Samuel pressionava uma das mãos contra o ouvido e tinha o rosto contorcido numa careta de desconforto. Ainda assim, tentou gritar alguma coisa para mim, mas foi como se sua boca se movesse sem produzir qualquer som. Só então percebi que um zumbido insistente me ensurdecia quase completamente, soterrando qualquer som além dos rosnados e gemidos próximos. Diante da minha falta de resposta (ou de qualquer movimento), meu amigo se levantou o mais rápido que podia e correu para me alcançar, desviando dos resquícios fumegantes da explosão.

Queria mandá-lo se afastar, pois sua aproximação só o colocaria em risco, mas meu corpo não respondia. Minha cabeça estava anuviada graças à batida e uma pontada sufocante na costela excedia qualquer outro sentido, atrapalhando meus movimentos.

Então meus olhos se reencontraram com Adão, que recuperou o fuzil, mas antes que pudesse pelo menos tentar estabilizá-lo com a mão ferida, um zumbi adiantou-se em sua direção e enroscou a mão na bandoleira, puxando-o junto com a arma para o chão. Um segundo se agarrou em seu braço, mas foi afastado com uma cotovelada certeira.

... cisa levantar!

Senti meu braço ser puxado ao mesmo tempo que a voz abafada de Samuel chegava até mim. Virei a cabeça em sua direção, lutando contra a ânsia de vômito. A dor era tanta que parecia inútil tentar lutar, mas o pensamento de que se não me movesse logo, Samuel poderia ser morto ali, serviu de combustível para aceitar sua ajuda e me erguer.

Equilibrei-me como pude sobre minhas pernas trêmulas enquanto Samuel pegava meu machado caído no chão para afastar um zumbi com um golpe. Para todo o lugar que eu olhava, parecia que havia uma criatura a poucos passos, seguida por outras dezenas mais lentas. Senti um líquido viscoso que deveria ser meu próprio sangue escorrer por minha testa. Todo o mundo girava e eu não consegui evitar de cambalear alguns passos até recuperar o equilíbrio, apoiando-me sobre os joelhos segundos antes de vomitar.

Em FúriaWhere stories live. Discover now