Capítulo 58.

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— Eu fui dar uma olhada lá no shopping essa semana.

O susto que eu tomei foi tamanho que pareceu que eu nem sabia que Samuel estava sentado na poltrona da minha sala. Deixei a caneca cheia de água cair e apesar de o tapete ter impedido que a cerâmica se partisse, o chão ficou encharcado. Estalei a língua e peguei uma toalha para secar.

Não havia sido sua voz repentina que me assustou (eu sabia que ele estava ali, afinal havia aberto a porta para ele há poucos minutos), mas aquela informação que ele me falou com tanta tranquilidade.

— Como assim?!

— Saí de madrugada, pouco antes do sol nascer. — Deu de ombros. — Para um lugar que obriga vocês a trabalharem igual cachorros, é mais fácil do que parece sair e entrar sem ser notado.

Olhei para ele de onde estava, ajoelhada no chão com uma toalha na mão, completamente incrédula. Samuel reconhecia que tinha privilégios lá dentro, mas eu não esperava que forçasse tanto a barra. Provavelmente presumindo que eu não falaria nada, continuou:

— Fica meio distante daqui, mais próximo ao centro da cidade. Coisa de nove ou dez quilômetros — explicou. — Claro que não cheguei muito perto, justamente porque lá tem muitos zumbis. Subi em uma cobertura para conseguir ver melhor. — Abri a boca para argumentar e ele imediatamente me impediu: — Rebeca, não se atreva a tentar me lecionar sobre o quão perigoso é eu ir até lá sozinho. Você, de todas as pessoas, é a que menos tem esse direito.

Então mordi o lábio, irritada pela petulância dele, mas infelizmente sem argumentos. Eu realmente me veria fazendo a mesmíssima coisa, ainda que desde o condomínio, nossa maior regra era nunca ir às ruas sozinhos. Então apenas suspirei e voltei a secar o chão.

— E o que você achou? Melhor ou pior do que a situação do Hospital?

— Sinceramente... bem complicada. Como é um shopping, tem uma grande área de estacionamento cercada. Completamente lotada de zumbis, do tipo que seria impossível tentar se aproximar entre eles. O lado de fora não está muito diferente.

Assenti, terminando de secar o chão e me levantando. Samuel se referia à sua estratégia de andar pelos zumbis, disfarçando-se entre eles ao imitar seu passo e trejeitos letárgicos. Aquelas criaturas eram boas caçadoras, mas seus sentidos não eram particularmente mais aguçados do que os de qualquer ser humano, apoiando-se principalmente na visão e audição. Tornando-nos o mais indistinguível possível dos seus semelhantes (e protegendo nossas peles de eventuais mordidas), conseguíamos comprar tempo e até mesmo atravessar hordas. Era uma estratégia longe de ser perfeita, que se beneficiava principalmente de momentos de baixa visão, como tempestades e noites escuras, mas se mostrou consistente para lidar com momentos onde se fazia necessário o mínimo combate possível.

— E as ruas ao redor, conseguiu ver?

— Uhum. São um pouco estreitas e estão relativamente vazias porque os zumbis estão acumulados perto do shopping. Eles provavelmente nunca saem dali, já que os que estão dentro dos portões não conseguem sair e o barulho que fazem só serve para atrair mais. Aliás, acho que é o motivo para ultimamente não vermos quase nenhum por esses lados. Daqui não dá para ouvir, mas basta se aproximar um pouco a cacofonia fica clara.

— Entendo. — Enchi outra caneca de água e levei para Samuel, que agradeceu. Apesar de se gabar sobre conseguir se esgueirar até o meu apartamento com facilidade, estava esbaforido, provavelmente por precisar fazer tudo com pressa. — Alguma vantagem geográfica para nós? Terrenos baldios, descampados, algo onde possamos usar os mesmos truques das trincheiras?

— Existem alguns, mas sinceramente... a situação não está muito boa para a gente. As ruas ao redor são difíceis de transitar, estreitas e cheias de cruzamentos, muito fácil para os zumbis cercarem os encarregados de atraí-los. Além disso, tem o problema dos que estão presos. Ou teríamos de tentar guiá-los de maneira ordenada pelo portão, ou correr o risco dele ir abaixo e liberarmos uma enchente deles. — Samuel suspirou. — Quando Pantera falou, pensei que eu e você daríamos conta sozinhos da situação, mas...

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