Capítulo 68.

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A primeira coisa que senti foi um frio de congelar os ossos. Encolhi meu corpo por reflexo, o fino lençol que havia sobre mim servindo de muito pouco para impedir a sensação. Somente aquele pequeno movimento já fez minha cabeça latejar tanto que desejei voltar a ficar inconsciente.

Então, esforcei-me para tentar lembrar de qualquer coisa. Onde eu estava, como havia chegado até ali... Sem saber ao certo o motivo e apesar do cheiro característico, eu desconfiava que não estava no Hospital de Jin. Afinal, deviam fazer meses desde que eu e Samuel fomos embora. Desde que começamos a viagem para o oeste a fim de encontrar...

Ergui-me num sobressalto, inspirando tão fundo que senti uma pontada no pescoço. Levei a mão até lá, mas não encontrei o canivete que fora cravado ali, apenas a maciez do algodão de um curativo. O movimento repentino me causou tanta tontura que provavelmente eu teria vomitado se meu estômago não estivesse vazio, e demoraram vários segundos até que o mundo parasse de girar.

— Ei, calma, calma... — Ouvi uma voz feminina muito suave ao meu lado e virei para encontrar uma jovem com um rabo-de-cavalo loiro me olhando. Levei um susto com o grito que ela deu: — Isaías?! Ela acordou.

Mesmo se eu quisesse tentar qualquer coisa, sentia-me tão fraca que a única coisa que pareceu sensata foi deitar novamente no travesseiro. Havia uma bolsa de soro ligada a uma agulha ao meu braço e cada movimento me causava uma pontada incômoda. Ficou claro que eu estava em uma sala de hospital, provavelmente dentro de Esperança.

— Você deve estar se sentindo mal ainda, é melhor evitarmos movimentos bruscos por enquanto. — A garota sugeriu, sua voz um pouco hesitante. — O doutor já vai vir te ver. Você está segura agora, tá?

Respirei fundo, sequer sentindo-me capaz de formular uma resposta. Tudo começou a ficar escuro e, mais uma vez, senti que a minha cabeça estava cheia de algodão. A garota continuou falando coisas para me tranquilizar, mas não consegui prestar atenção enquanto me concentrava apenas em não desmaiar (como se fosse possível). Depois de algum tempo, ouvi um par de passos se aproximando.

— Olá. Tudo certo aqui, Renata? — A voz suave pertencia a um homem. Contra a minha vontade, abri os olhos e a tontura só piorou, mas consegui ter um vislumbre dele. Era um senhor um pouco mais alto que a garota, completamente careca e com um cavanhaque escuro. — Ah, você já acordou, que bom. Como está se sentindo?

Tudo o que consegui foi murmurar um "mal", o que já fez o meu pescoço doer. Sentia a barriga roncar de fome, ao mesmo tempo que a simples ideia de colocar algo para dentro me dava náuseas.

— Sua pressão ainda está baixa... você perdeu muito sangue, mas conseguimos estancar o ferimento e fazer uma transfusão. Também se machucou na batida. — Enquanto ele falava, usava o medidor de pressão em mim. Em seguida, conferiu meus batimentos com o estetoscópio. — É melhor você descansar mais um pouco.

Assenti para ele, sentindo as pálpebras cada vez mais pesadas.

— Querida... você sabe nos dizer o que aconteceu? Quem te fez aquele ferimento...

A pergunta me fez engolir em seco. Eu lembrava de tudo. Do grupo de Lorenzo, de matar Dominic e ser ferida com o canivete no processo, de fugir com...

— Mei! — Ergui-me mais uma vez, apoiando-me nos cotovelos. Ignorei a tontura que me acertou como um golpe: — Minha cachorra! Eu estava com ela... Mei, ela está bem?

A garota e o médico trocaram um olhar confuso.

— Mara, a mulher que te encontrou, falou que você estava sozinha, querida. — A loira falou, depois de molhar os lábios com a língua. — Desculpe, não sabemos sobre nenhum cachorro... Se nos contar de onde você veio, podemos enviar uma equipe para procurá-la.

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