Capítulo 12 - Fugas e Facas

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O sol havia nascido há poucos minutos, lançando seus primeiros raios dourados sobre a mansão adormecida. Evangeline estava absorta na leitura de um livro na serenidade da sala de estar, sua figura delicada iluminada pelos tímidos raios solares que penetravam pela janela. No entanto, um súbito golpe de dor trespassou sua cabeça, como se um martelo implacável martelasse em suas têmporas, deixando-a atordoada.

Então, uma visão assombrosa se desenrolou diante de seus olhos.

Seu tio Kordak e Myrian estavam confinados em cadeiras em um quarto sombrio, amordaçados e ensanguentados nas têmporas. O lamento angustiado de sua tia ecoava pelas paredes, enquanto uma voz familiar sussurrava ameaçadoramente:

"Onde quer que esteja, você tem dois dias para voltar para casa. Venha sozinha, caso contrário..."

As imagens e sons desapareceram abruptamente de sua mente, substituídos pela tranquila atmosfera da sala de estar e o canto distante dos pássaros.

Evangeline levantou-se de um salto, o livro escapando-lhe das mãos. Lágrimas de fúria e desespero turvaram seus olhos, enquanto seu coração batia tão forte quanto o tropel de uma cavalaria real em seu peito.

Antes que alguém pudesse testemunhar sua agonia, Evangeline apressou-se de volta para o quarto. Trocou seu vestido por uma calça de couro marrom, uma camisa de mangas longas branca e um casaco de couro da mesma tonalidade. Calçou botas de cano alto até o joelho e envolveu-se em um manto negro que ocultaria sua identidade.

O medo a açoitava implacável, mas ela se recusava a permitir que a paralisasse. Silenciosa como uma sombra, dirigiu-se ao terceiro andar e adentrou a sala das armas.

Com movimentos hábeis, prendeu um coldre de perna, ajustando-o cuidadosamente. Em seguida, deslizou a lâmina mais afiada que encontrou, com um cabo negro adornado com entalhes de asas em marfim. A lâmina prateada brilhava como uma estrela, afiada o suficiente para romper ossos.

Ela sabia que poderia se ferir com aquela arma, mas o tempo era escasso para pensar em alternativas. Além disso, o manto longo que usaria ocultaria a faca em sua perna.

Com passos furtivos, desceu as escadas e abriu a imponente porta de carvalho escuro.

A brisa matinal acariciou seu rosto, mesclando-se com os primeiros raios de sol. Era um lindo dia para morrer.

Com a mente agitada e o coração apertado, montou um dos cavalos de Naevran e deslizou sorrateiramente pelos fundos da mansão, onde os estábulos se escondiam entre as sombras das árvores.

Galopando entre as árvores, afastou-se o máximo possível da estrada pouco usada. Sabia que Naevran logo notaria sua ausência e partiria em busca dela, e precisava evitar ser alcançada antes de cumprir sua missão. Guiando-se pelo sol, apressava-se em direção ao vilarejo Leste.

Horas se arrastaram, o sol parecia mover-se a passos de tartaruga pelo céu. Evangeline temia estar perdida para sempre. No entanto, um lampejo de esperança surgiu quando avistou ao longe o Rio Sussurro.

A bifurcação do rio indicava o caminho. Se seguisse pela esquerda, alcançaria Silverglade; pela direita, Serenovia, e então o vilarejo Leste.

Evangeline parou por um momento, permitindo que o cavalo descansasse e bebesse água. Seu corpo doía devido às horas de cavalgada, uma sensação a que não estava acostumada. No entanto, o pânico sufocava qualquer sensação de dor. Ela sentia sua vida escorrendo-lhe entre os dedos, tudo o que amava sendo arrancado aos poucos. As lágrimas, contidas desde sua fuga da mansão, finalmente brotaram como uma torrente.

Era irônico que Naevran, na noite anterior, tivesse sugerido que ela estava fugindo na calada da noite, como se pressentisse sua partida.

Enquanto chorava, a imagem do elfo invadiu sua mente. Sabia que ele a procurava, convencido de que ela havia quebrado o acordo e fugido.

O medo a consumia. Se ele a encontrasse, não hesitaria em fazê-la pagar.

Evangeline ergueu a faca que trouxera consigo, tão imponente quanto seu antebraço. Era uma arma singular, com um cabo negro profundo, como um abismo pronto para devorar almas. Ao manuseá-la, um corte acidental em seu dedo indicador fez o sangue brotar, tingindo a lâmina prateada com sua cor rubra.

— Arg... — resmungou de dor, trocando a faca de mão e levando o dedo ferido à boca.

Uma sombra negra começou a se desenrolar do cabo da faca, envolvendo sua mão. Evangeline praguejou consigo mesma por ter escolhido justamente aquela arma maldita.

— Naevran vai me matar... — murmurou, temendo as consequências daquela descoberta.

Um instante depois, algo a puxou violentamente por trás, jogando-a contra uma árvore e apertando-lhe o pescoço com força avassaladora. Tudo aconteceu rápido demais. Num momento estava ao lado de seu corcel, no outro, era dominada por uma força implacável.

A faca, talvez um rastreador, tinha permitido que o elfo a localizasse.

Naevran encarava-a com fúria contida, seus olhos antes cintilantes transformados em abismos negros.

— Achou mesmo que poderia escapar de mim? — rosnou ele, aumentando a pressão sobre sua garganta.

Evangeline, aterrorizada, vislumbrava em sua mente os horrores que ele poderia infligir. Lágrimas de puro terror escorriam de seus olhos, enquanto suas mãos pequenas e trêmulas apertavam o pulso da mão que ele a enforcava.

— Naevran... — tentou falar, mas o ar lhe faltava, sua voz um sussurro desesperado. — Eu... por favor... -- A cada segundo, sentia-se mais próxima do desfalecimento, suas pernas já não lhe obedeciam.

Em um acesso de compaixão momentânea ou talvez apenas para prolongar sua tortura, Naevran a soltou bruscamente, fazendo-a cair ao chão, ofegante e desorientada.

Evangeline começou a chorar, não pelo medo que sentia dele, embora fosse sufocante, mas pelo temor de não conseguir chegar a tempo de salvar seus tios. Naevran, evitando encará-la diretamente, estava tomado por uma fúria que transparecia em seus olhos, agora tão escuros quanto a noite. Sem uma palavra, ele se dirigiu ao local onde Evangeline deixara a faca cair e a pegou. Seu rosto sombrio e impiedoso se aproximou novamente dela.

— Você tem ideia do que acabou de fazer? — sua voz, carregada de amargura, ecoou entre as árvores.

Evangeline, ainda no chão, levantou-se com dificuldade, seus olhos ainda marejados de lágrimas.

— Não... o que? — balbuciou, fitando-o com misto de temor e confusão.

— Vou mostrar a você então. — Naevran cortou o antebraço esquerdo com a faca, deixando o sangue escorrer pela lâmina prateada como uma cascata rubra.

Uma dor lancinante irrompeu no braço de Evangeline, arrancando-lhe gemidos de agonia. O sangue manchava sua jaqueta de couro, gotejando no chão, enquanto ela rapidamente a removia. A manga de sua camisa branca agora estava tingida de vermelho, um corte profundo marcando seu antebraço esquerdo.

Ela olhou confusa e assustada para Naevran.

— O que... como? — murmurou, alternando entre olhar para os olhos furiosos do elfo e para seu próprio ferimento.

Ele se aproximou dela novamente.

— Essa faca liga a vida daquele que é ferido por ela com a vida daquele que a apunhalou por último. A partir de agora, tudo que acontecer comigo acontecerá a você também. — explicou, num tom grave.

— Então minha vida... está ligada à sua? — mais desespero transpareceu em sua voz.

Naevran morreria em dez meses. Isso significava que, se o elfo não quebrasse a maldição até lá, Evangeline morreria com ele.

Uma nova onda de tontura a acometeu, enquanto ela encarava o abismo que se abria diante de si.

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