Capítulo 17 - Contradições do Coração

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Naevran

O corpo inteiro de Evangeline está tenso, seus músculos contraídos em preparação para uma possível fuga, mas ela sabe que não tem para onde correr.

Naevran avança na direção de Evangeline, cada passo um ato de controle sobre a fera que ruge dentro dele, uma luta constante para conter as chamas de sua raiva e proteger a frágil humana diante dele.

Enquanto se aproxima, ele observa o medo nos olhos de Evangeline, um reflexo do terror que ele inspira sem querer. A visão aterrorizante de sua própria imagem refletida nos olhos dela o faz recuar por um breve instante, um lampejo de auto-repugnância cortando sua determinação.

No entanto, ele continua avançando, forçando-se a manter a fachada de controle, apesar da tempestade em seu interior. Seu coração se debate entre a vontade de proteger Evangeline e o desejo de afastá-la para longe de sua própria escuridão.

Finalmente, ele chega ao lado dela, e o silêncio pesado paira entre eles, quebrado apenas pelo som de suas respirações ofegantes. Naevran luta para encontrar as palavras certas, uma tarefa difícil quando sua mente está turva com conflitos internos.

— Você está bem? — Ele pergunta finalmente, sua voz soando áspera e desajeitada aos seus próprios ouvidos.

Evangeline olha para ele com olhos arregalados, o medo ainda brilhando em seu olhar. Ela engole em seco antes de responder, sua voz tremendo ligeiramente.

— Sim, eu... acho que sim. — Ela murmura, sua voz mal audível sobre o ruído do coração batendo acelerado em seus ouvidos.

Naevran assente em resposta, embora parte dele deseje dizer mais, deseje consolar e confortá-la. No entanto, ele sabe que suas palavras são inadequadas para acalmar o medo que ele mesmo causou.

Um silêncio desconfortável se estabelece entre eles, mas Naevran sente o peso do olhar de Evangeline sobre ele, uma mistura complexa de medo e curiosidade. Ele se pergunta o que ela vê quando olha para ele, se vê o monstro que ele se tornou ou o homem que ele um dia foi. É uma pergunta que ele mesmo não tem coragem de enfrentar, mas que continua a ecoar em sua mente como um lembrete constante de sua própria essência perdida.

Naevran respira fundo, tentando recuperar a compostura. Ele percebe que Evangeline está tremendo, seu corpo cheio de medo e tensão. Apesar de odiar a si mesmo por admitir isso, ele sente uma pontada de preocupação por ela.

Com um movimento rápido, Naevran se aproxima de Evangeline, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar do chão. Seus olhares se encontram por um momento, e Naevran percebe uma mistura de gratidão e desconforto nos olhos da jovem. Ele abaixa o olhar, incapaz de olhá-la nos olhos.

— Está tudo bem agora. — Ele murmura, sua voz mais suave do que ele esperava. — Você está segura. — Algo dentro dele se agitava com essa mentira. Evangeline nunca estaria segura com ele.

A humana assente, mas seu olhar ainda está cheio de incerteza. O elfo sente o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Ele precisa manter Evangeline segura, protegê-la a todo custo. Mas como fazer isso quando ele mesmo é uma ameaça?

Juntos, eles se dirigem à porta, Naevran mantendo-se alerta, pronto para qualquer outra ameaça que possa surgir. Evangeline segue atrás dele, suas pernas tremendo ligeiramente, mas determinada a não demonstrar fraqueza.

Ao saírem do quarto e adentrarem o corredor silencioso da hospedagem, uma sensação de alívio os envolve. No entanto, o perigo ainda está presente, como uma sombra à espreita nas profundezas da noite. Naevran lança um último olhar sobre o ombro, verificando se estão sendo seguidos, antes de conduzir Evangeline para fora da hospedagem e para a segurança relativa da rua deserta.

Com um aceno silencioso, Naevran indicou os cavalos que aguardavam pacientemente do lado de fora. Sem uma palavra, eles se aproximaram dos animais, montando-os com a agilidade de quem está acostumado a cavalgar sob a escuridão das trevas.

O galope dos cavalos ecoava pela rua deserta, seus cascos batendo contra o chão de pedra. Naevran sentia o vento frio cortando seu rosto enquanto avançavam pela estrada deserta, os únicos sons sendo o som dos cavalos e a respiração pesada dos dois.

Naevran cavalgava em silêncio ao lado de Evangeline, seu coração ainda pulsando com a adrenalina da luta na estalagem. Enquanto as sombras da noite os envolviam, ele se permitiu refletir sobre suas ações impulsivas para proteger a jovem humana. Não havia hesitado em eliminar a existência daquele homem que ameaçava a vida de Evangeline, com uma ferocidade selvagem, colocando-se em perigo para garantir a segurança dela.

Aquilo significava algo que ele se recusava a admitir: apesar de todos os esforços para manter as emoções à distância, Evangeline havia se tornado uma parte marcante de sua vida. Naevran repudiava a ideia de estar ligado emocionalmente a alguém, especialmente a uma humana cuja vida estava irremediavelmente entrelaçada com a sua de maneira perigosa.

Mas, por mais que tentasse negar, Naevran sabia que não podia ignorar a conexão que compartilhava com Evangeline. Ela havia se tornado uma âncora em meio ao caos de sua existência, uma luz em sua escuridão. Mesmo que isso o enchesse de raiva e frustração, ele não podia negar a força do vínculo que os unia.

Enquanto os pensamentos tumultuavam em sua mente, Naevran cerrava os dentes com repulsa, reprimindo qualquer vestígio de emoção que ameaçasse transbordar. Ele se recusava a ser fraco, a se render às ilusões do amor que só trariam sofrimento e destruição. Mas no fundo de sua alma atormentada, ele sabia que havia algo mais forte do que sua vontade: o desejo inegável de proteger aquela que, contra todas as probabilidades, conseguira tocar seu coração endurecido.

— O que foi aquilo? — A voz de Evangeline soou, quebrando o silêncio de forma suave, mas carregada de preocupação.

— Provavelmente A Ordem enviando capachos para nos matar. — Ele respondeu, sabendo que seus questionamentos não terminariam ali.

Mas para a surpresa dele, um silêncio se seguiu, sem mais perguntas.

— Sei que faz isso pelas próprias motivações, mas obrigada por me proteger hoje. — A forma doce e inocente como a voz dela soava arrancou pensamentos perversos do elfo.

Naevran xingou baixinho, amaldiçoando-a por ter uma voz que o tirava do sério. Uma voz que quando ouvia, o fazia questionar todos seus príncipios.

— Não me agradeça ainda. Não foi por você. Foi por necessidade. — Sua voz saiu mais áspera do que pretendia, carregada de desdém. Ele não queria admitir, nem mesmo para si mesmo, que suas ações eram motivadas por algo além da obrigação.

Evangeline parecia não perceber a tensão que se acumulava no ar, ou talvez estivesse apenas ignorando-a, como sempre fazia. Ela inclinou a cabeça de lado, os olhos cheios de curiosidade.

— Você tem um jeito peculiar de mostrar "necessidade", Naevran. — Ela comentou, com um sorriso tímido nos lábios.

Com um movimento brusco, Naevran desviou o olhar, evitando encarar aqueles olhos que pareciam ler sua alma e aquele sorriso. Ele cerrou os dentes com força, uma mistura de raiva e frustração borbulhando dentro de si. Aquela era uma batalha que ele não podia vencer.

A simples menção de seu nome fez com que Naevran sentisse um arrepio percorrer sua espinha. Ele lutava para manter sua expressão impassível, escondendo os sentimentos tumultuados que fervilhavam dentro de si. Era como se a própria presença de Evangeline o desafiasse a ser algo que ele não queria ser, a admitir algo que ele não queria admitir.

— É melhor não se acostumar com isso. — Ele murmurou, desviando o olhar para a estrada escura à frente.

Evangeline não respondeu, mas ele podia sentir o peso de seu olhar sobre ele, penetrando através da escuridão da noite. Era como se ela pudesse enxergar através de suas defesas, ler os segredos que ele guardava tão diligentemente. E por um momento, Naevran sentiu-se exposto, vulnerável diante dela, uma sensação que ele detestava com todas as fibras de seu ser.

Lendas de amor e maldiçõesWhere stories live. Discover now