Capítulo 23 - Coração em Conflito

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Naevran

Durante aquele mês, Naevran mergulhou em sua própria escuridão interior, lutando contra os demônios que o assombravam há tanto tempo. Ele vagou pelos escombros da Cidade do Crepúsculo, perdido em pensamentos sombrios e memórias dolorosas. Cada passo era uma tentativa de escapar da realidade, de negar os sentimentos que o consumiam.

A solidão tornou-se sua única companheira, envolvendo-o em um abraço gélido que refletia a frieza de sua própria alma. Ele se distanciou de qualquer forma de conforto, recusando-se a permitir que alguém o alcançasse em sua prisão autoimposta.

Naevran retornou à mansão após muitos dias de ausência, a mente ainda envolta em pensamentos sombrios e preocupações profundas. Ao transportar-se diretamente para seu quarto, esperava encontrar solidão e silêncio, mas foi surpreendido ao deparar-se com a figura adormecida de Evangeline em sua cama.

Um turbilhão de emoções o invadiu enquanto observava-a dormir, rosto tranquilo dela contrastando com a agitação de sua própria mente conturbada. Uma mistura de surpresa, preocupação e, talvez, um lampejo de algo mais profundo, algo que ele se recusava a reconhecer, refletiu-se em seu semblante.

Ela parecia tão vulnerável ali, deitada em sua cama, uma visão que o fez questionar suas próprias escolhas e ações. Por um momento, sentiu-se compelido a acordá-la, a afastá-la de sua presença antes que fosse tarde demais. Mas uma parte dele hesitou, uma parte que ele preferia ignorar.

Uma fúria silenciosa cresceu dentro dele, alimentada pela teimosia de Evangeline em buscar respostas onde não deveria. Ele se perguntou como ela ousava invadir sua privacidade, mexendo em seus pertences como se tivesse o direito de fazê-lo.

Com um suspiro resignado, Naevran se aproximou da cama e sussurrou:

— Devo admitir que é uma cena quase poética, se não fosse tão pateticamente trágica. Uma humana corajosa e tola se perdendo nas teias de um elfo amaldiçoado. Ah, os caprichos do destino... — Seus lábios se curvaram em um sorriso sarcástico, mas havia uma tristeza subjacente em seu olhar, uma dor que ele tentava esconder atrás de suas palavras afiadas.

— Talvez tudo seria mais fácil se eu simplesmente a pegasse no colo e a arremessasse pela janela. — Ele balançou a cabeça, como se estivesse ponderando a ideia. — Não que eu já tenha considerado isso... mais de uma vez. — Houve uma pausa, durante a qual ele olhou para ela, como se esperasse uma reação que não viria. Então ele se permitiu um pequeno sorriso irônico.

— E ainda assim, aqui estamos nós. Você, inconsciente de tudo ao seu redor, e eu... lutando contra a tentação de me render ao desejo de apenas ficar aqui e observá-la dormir. Que ironia, não é mesmo? Eu, o elfo sombrio e amargo, sendo enfeitiçado por uma humana determinada e obstinada como você. — Com um suspiro resignado, Naevran se aproximou da cama, sentando-se ao lado de Evangeline.

Observando-a com um misto de fascínio e frustração, ele considerou acordá-la, expulsá-la de seu quarto com palavras afiadas e amargas. Mas ao vê-la dormir tão pacificamente, algo dentro dele se amoleceu. Ao invés disso, Naevran apenas estendeu a mão hesitante e acariciou suavemente o rosto dela, sentindo a maciez de sua pele sob seus dedos.

— O que você está fazendo, Evangeline? — Ele murmurou, mais para si mesmo do que para ela. — Você não deveria estar aqui. Eu não deveria deixar você chegar tão perto. — Uma sensação de melancolia o envolveu enquanto ele continuava a observá-la dormir, seu coração pesando com culpa e incerteza.

Mas, apesar de todos os seus esforços para se manter distante, Naevran não conseguia negar a maneira como seu coração se apertava toda vez que a via.

— Por que você tem que complicar tudo, coelhinha? — Ele murmurou, sua voz carregada de resignação e tristeza. — Por que não pode apenas ficar longe de mim e me deixar em paz? — Mesmo sabendo que ela não podia ouvi-lo, Naevran esperava desesperadamente que suas palavras de alguma forma alcançassem seu coração, que ela entendesse o perigo de se aproximar demais dele.

Mas, ao mesmo tempo, uma parte dele ansiava por ela, desejando que ela permanecesse ali, ao seu lado, para sempre.

— Naevran... — Evangeline murmurou, o rosto contorcido em uma expressão tensa.

Naevran ficou tenso quando Evangeline murmurou seu nome, temendo que ela estivesse despertando e o pegando em um momento de vulnerabilidade. Seus olhos se estreitaram, observando atentamente os movimentos dela na cama, esperando qualquer sinal de que ela estava acordada.

No entanto, conforme os segundos passavam, ficou claro que Evangeline ainda estava profundamente adormecida. Um suspiro de alívio escapou dos lábios de Naevran, misturado com uma pontada de decepção que ele tentou reprimir.

Uma parte dele desejava que ela estivesse tendo um pesadelo com ele, pois isso o colocaria onde ele achava que pertencia: na escuridão, como um monstro de seus piores temores.

Mas a outra parte, uma parte que ele lutava para reprimir, ansiava por ser mais do que apenas o vilão em sua história. Uma parte dele desejava ser o herói que ela tanto precisava, mesmo que isso significasse enfrentar os monstros que assombravam seus próprios pensamentos.

Naevran fechou os olhos por um momento, perdendo-se em memórias distantes que agora pareciam ecoar mais alto em sua mente. Ele se lembrou daquela noite fatídica, há tantos anos atrás, quando Elizabeth, mãe de Evangeline, havia aparecido em sua porta, desesperada e temerosa. Ele se lembrou de como havia hesitado inicialmente em salvar a vida daquela garotinha, mas acabou rendendo-se de uma forma que apenas ela conseguia fazer ele se render.

A imagem de Elizabeth, com os olhos cheios de lágrimas, implorando por ajuda para salvar sua filha, estava gravada em sua mente como se fosse ontem.

Em um suspiro resignado, Naevran afastou-se silenciosamente, deixando Evangeline entregue aos seus sonhos, onde ele permaneceria como o espectro indesejado de seus medos mais profundos. Com um último olhar para ela, Naevran se afastou, deixando-a para enfrentar seus próprios demônios enquanto ele lutava contra os dele.

Lendas de amor e maldiçõesWhere stories live. Discover now