Capítulo 26 - Nos domínios da morte

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Naevran transportou Evangeline através do véu da realidade, levando-a até um templo abandonado numa clarerira, em algum lugar perdido na Floresta das Lamentações. Sukry já estava lá dentro, preparando o ritual.

No centro da clareira, erguia-se o templo antigo de pedra branca, suas paredes marcadas pelo desgaste dos séculos. A estrutura parecia uma testemunha silenciosa do tempo, guardando segredos há muito esquecidos. Na frente do templo, duas estátuas imponentes erguiam-se como guardiãs, um retrato de Ancalagon e sua esposa Aelwyn. Suas formas esculpidas em pedra pareciam pulsar com uma energia antiga, como se estivessem vivas e observando os visitantes com olhos de pedra fria.

Os pilares sustentando a entrada do templo eram esculpidos com intrincados detalhes, cada linha e curva contando uma história perdida no tempo. Eram os guardiões silenciosos deste lugar sagrado, testemunhas silenciosas dos rituais realizados ali ao longo dos séculos.

Naevran olhava para a estátua de Aelwyn com um certo desgosto. Seus olhos, normalmente hipnotizantes, estavam agora cheios de um fogo sombrio e amargo, refletindo a intensidade de suas emoções. A estátua da rainha feérica, esculpida em pedra branca, parecia olhar de volta para ele com olhos frios e implacáveis. Seus traços delicados e nobres eram uma reminiscência da beleza etérea dos feéricos, mas para Naevran, eles eram uma lembrança dolorosa de um passado que ele preferiria esquecer.

Evangeline se perguntava porquê o elfo olhava daquela forma para a estátua da elfa que, aparentemente, era sua mãe. Mas ela estava preocupada demais com os próprios pensamentos para perguntar qualquer coisa à respeito.

Então eles entraram no templo.

Evangeline sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao atravessar o limiar do templo, como se estivesse entrando em um reino além do alcance dos mortais. O chão de pedra fria sob seus pés parecia vibrar com uma energia mágica, um eco dos poderes que foram invocados ali ao longo dos séculos. Naevran seguia ao lado dela, sua expressão séria e concentrada, como se estivesse se preparando para o que estava por vir.

À medida que se aproximavam do centro do templo, onde um altar antigo estava posicionado sob um feixe da luz do luar, Evangeline sentiu seu coração acelerar. Este era o momento pelo qual havia se preparado, o momento em que enfrentaria seu destino com coragem e determinação.

Com uma voz calma e um livro em mãos, Sukry começou a explicar como o ritual funcionaria. Ele delineou os passos que deveriam ser seguidos com precisão, como um maestro conduzindo uma sinfonia sombria e solene.

Ele olhou para Evangeline com uma expressão séria, avaliando sua prontidão para o que estava por vir.

— Primeiro, o ritual a induzirá para um estado de desligamento. Isso permitirá que o laço seja acessado em seu estado mais vulnerável, quando sua alma estará mais próxima da fronteira entre a vida e a morte. — Sukry pausou por um momento, deixando que suas palavras ecoassem no ar, antes de prosseguir.

— Então, usando a magia ancestral deste lugar sagrado e o Amuleto, eu canalizarei as energias necessárias para quebrar o vínculo que a une à Naevran. — Evangeline suspirou.

— Estou pronta. — Ela disse, sua voz menos firme do que gostaria.

Sukry assentiu.

Havia um círculo de ervas no centro do tempo, alternando entre ossos dos que ela esperava serem de animais, perto do altar de mármore vazio.

— Fique atento para segura-la, ela precisa estar de pé até a magia fazer efeito. — O curandeiro alertou Naevran, que adentrou o círculo com Evangeline com o rosto indecifrável.

Sukry, com sua postura concentrada, começou a entoar palavras antigas, cujos significados se perdiam no eco do templo. O ar ao redor deles parecia eletrificado, carregado com uma energia antiga e poderosa. Uma ventania forte tomou conta do ambiente, esvoaçando o longo cabelo branco de Evangeline e levantando as folhas secas do chão.

Evangeline sentiu seu coração martelar em seu peito com uma intensidade assustadora, enquanto se preparava para o desconhecido. Ela olhou para Naevran diante dela, vendo a tensão nos traços do rosto dele.

À medida que o ritual avançava, uma sensação de peso começou a se acumular em seu peito, como se estivessem sendo pressionada por uma força invisível. Evangeline sentiu o pânico começar a tomar conta dela, suas mãos tremendo ligeiramente enquanto lutava para manter a compostura.

— Naevran... — Sua voz continha um pedido silencioso, dita num choramingo. — eu estou com medo... — Ela olhava para cima, em seus olhos que estavam mergulhados em uma aflição áspera.

Naquele instante as pernas da jovem cederam e ela ia rumo ao chão, mas Naevran rapidamente a segurou com seus braços fortes em torno de suas costas.

— Tudo ficará bem, coelhinha. — Ele sussurrou, sua voz num tom suave e tranquilizador como Evangeline nunca o tinha ouvido usar.

A jovem sentiu um frio penetrante invadir cada fibra de seu ser quando a magia do ritual começou a se manifestar. Uma dor aguda e implacável rasgou através dela, como se suas entranhas estivessem sendo dilaceradas uma a uma. Ela agarrou-se desesperadamente a Naevran, buscando apoio em seus braços enquanto as sombras da morte se aproximavam.

Naevran, com o coração apertado de angústia, segurava-a com força, sentindo cada gemido de dor que escapava dos lábios dela ecoar em sua alma. Seus olhos, normalmente tão frios e imperturbáveis, estavam agora cheios de uma agonia intensa, espelhando o terror da situação em que se a humana se encontrava.

Pela primeira vez, sua máscara de indiferença fria começou a ruir tragicamente. 

Evangeline lutava para respirar, sentindo o ar ser arrancado de seus pulmões pela força invisível que a envolvia. Ela olhou para Naevran com olhos cheios de medo e angústia, uma súplica silenciosa por ajuda que ele não podia conceder. Seu corpo tremia violentamente, uma última tentativa desesperada de resistir à escuridão que ameaçava consumi-la.

O elfo segurava Evangeline com uma intensidade feroz, como se pudesse protegê-la da morte apenas com a força de sua vontade. Uma intensidade que fez parecer, por um segundo, que ele se importava com ela. Não com seu plano, não com o que ela podia fazer por ele. Com ela.

E ver toda aquela perturbação, aquela preocupação em seu olhar, aqueceu seu íntimo. Uma parte dela que ela vinha ignorando desde que o conheceu. Aquilo a permitiu se entregar para o que veio buscá-la com mais serenidade. Evangeline sentiu-se deslizar para longe, como se estivesse sendo arrastada por uma correnteza implacável em direção ao abismo do desconhecido.

E então, num último suspiro angustiado, Evangeline desabou por completo nos braços de Naevran, seu corpo inerte e sem vida enquanto a morte a consumia por completo.

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