Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de Magia

01- Coletora Eficaz e Letal

Tudo estava pronto. Faltavam apenas dois dias para Aman e eu nos dirigirmos ao Desfiladeiro Deepness. DD, como era carinhosamente chamado. Essas palavras do antigo idioma mágico confundiam a cabeça de qualquer um. Ninguém mais sabia o significado delas, mas os nomes permaneciam.

O dia estava bonito, com uma temperatura agradável apesar das nuvens que envolviam o sol. Mas alguns raios conseguiam escapar da barreira natural para iluminar o campo gramado, onde um grupo misto de meninas e meninos dava piruetas em seu jogo de bola.

Eu mal conseguia conter minha inquietação. Mesmo com minha partida iminente, me fizeram vir à escola. Ridículo! Eu já não tinha mais unhas para roer. Mas aproveitava a aula de educação física para botar em prática minhas aptidões com a espada. Intuía que seriam necessárias. Enquanto isso, colega algum tinha a temeridade de se aproximar de mim e de minha lâmina ululante.

— Ei! Adriana, querida! Vem cá, minha linda!

Bem. Este era Akia e ele tinha sim a audácia de se aproximar de mim. Mas também, o Akia tinha uma audácia impertinente para quase qualquer assunto.

— E aí, bonita? — disse ele enquanto largava seus cadernos e livros a nossos pés — Tem aula de culinária agora. Nós não vamos?

Encarei o rapaz de pele cor de café com enfado. Seus olhos negros me acompanhavam com o sorriso que se estendia de seus lábios grossos. Esse Akia, parecia que não se preocupava com nada.

— Akia, tô pouco me lixando pra qualquer aula nesse momento. Quero só a companhia da minha cantora aqui e nada mais.

— É, tô ligado que você tá uma pilha de nervos. Mas se não tentar relaxar, talvez não sobre nada de você em pé daqui dois dias. Nem tua espada vai conseguir soltar uma notinha sequer. Ir até o DD não é tarefa pra qualquer um.

Bufei e fiz um movimento brusco com a cabeça. Meus longos cabelos ruivos caíram em meu rosto. Tirei-o da frente dos olhos pensando no que os mais velhos haviam me dito sobre cortá-lo. Assim meu raio de visão seria ampliado e não correria o risco de enroscar os fios em algum lugar. Ri daquela ideia. Que se danasse! Nunca que eu iria cortar o cabelo!

— Vai, vamos, Dri! A aula nunca é completa sem você.

— Todas as meninas já ficam em cima de você, Akia. Não precisa de mais uma tonta.

— Claro! E eu lá vou querer ficar perto de homem? Adoro cozinhar, mas com presença feminina, tudo fica ainda melhor!

Na nossa vila, certas funções eram definidas por gênero. Culinária, por exemplo, era uma atividade praticamente feminina. Construtores eram quase todos homens. No entanto, garotas também podiam seguir essa profissão, caso desejassem. Também tinha a coleta. Era um papel que apenas as mulheres assumiam. É claro que os homens podiam adentrar a ordem militar em outros cargos, mas raramente como coletores. Mas ninguém era desencorajado caso descobrisse que suas inclinações eram diferentes das habituais. Em geral eram considerados pessoas criativas e originais. Akia era venerado pelas meninas da nossa turma, que achavam o máximo tê-lo nas aulas. Claro que ele adorava toda a atenção. Eu mal ligava para o charme que ele destilava, seus cabelos rastafári deslizando pelas costas enquanto conversava. E justamente por isso que ele não me deixava quieta por um segundo.

— Akia, vai logo pro seu harém, vai. Sai do meu pé, poxa.

— Você vai se encontrar com aquela deusa da Amanda? Nossa, aquela mulher é demais! Gosto de mulheres mais velhas também. — Ele deu uma pausa para respirar, como se estivesse visualizando Amanda na mente — Tá certo que ela é bem assustadora... Mas tem uns peitões...