37- O Despertar Do Ódio

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Mas o mundo não ficou negro por muito tempo. Logo minha visão se acendeu novamente, através dos olhos de Amanda. Nós éramos um só ser agora, minha existência imersa em sua magia turbilhonante. O ódio que tinha se transformado na essência do meu ser se uniu a mais ódio, este vindo do fundo da alma de Amanda. A dor de não ser forte o bastante, de perder mais uma companheira por causa de sua fraqueza, a fúria de sobreviver - e sozinha, desta vez. Tudo isso se amalgamou em uma única massa de ira que nos tornava muito poderosas. O braço de Aman parou de doer de imediato, embora ainda estivesse quebrado.

Eu era um Coração de Magia. Adquiri uma nova consciência nesse estado. Agora eu precisava me expressar, dar forma às coisas, fazê-las existir neste mundo. E o que eu mais queria demonstrar era o meu rancor. E os sentimentos da própria Amanda reuniam ainda mais combustível para explodirmos em poder.

Veja, estou tentando justificar o porquê foi tão fácil derrotar Serani. Ela nunca teve a menor chance contra a Omag Amanda.

Omag. Esse termo ainda não existia quando Amanda se transformou em uma. Mas em breve ele surgiria, como uma corrupção da palavra "mago".

Serani não soube lidar com aquela energia que escapava do corpo de Amanda. Ela ficou aterrorizada, dando vários passos para trás, tentando se afastar. Mas a alcançamos em segundos. Gostaria de poder dar uma olhada no rosto de Amanda a partir da perspectiva de Serani. Tenho certeza de que aquele olhar sem pupilas e com um fulgor vermelho ofuscante não deveria ser uma visão muito tranquilizadora. Através daquele brilho, enxerguei a expressão amedrontada da gigante pela última vez, antes de sua cabeça ser destacada do corpo. Amanda agora podia controlar sua magia de forma a criar uma navalha, como eu fazia com a cantante. Seu - ou deveria dizer nosso - braço mal tocou a pele da adversária, mas isso não era realmente necessário.

É claro que aquilo não seria suficiente para matá-la; Omags eram imortais. Mas eles podiam ser feridos. E depois de cuidarmos de Alain, arrancaríamos os corações do corpo dela.

Para nossa surpresa - e ainda mais raiva - o maldito irmão de Liam não demonstrou um pingo de terror. Ao contrário, sua boca se abriu em um sorriso sarcástico.

- Obrigado por me livrar de Serani. A vadia já estava começando a me aborrecer. Eu pretendia acabar com ela em breve. Assim que Erescalta conseguisse finalmente invadir Vila Arcana. Agora, com 90% de suas defesas liquidadas e seus dois líderes mortos, o plano ficou bem mais simples. - Ele riu com vontade. - Pobre Serani. Ela realmente pensava seria uma ótima governante para sua vila e que a protegeria com sabedoria e paz.

Não nos importávamos com Serani. Ela tinha feito muita coisa ruim em nome de suas boas intenções. Mas uma traição era sempre uma traição, independente contra quem fosse cometida. Alain não tinha caráter e pretendia eliminar todo um povo apenas pelo desprezo que sentia por eles. Meu ódio vacilou por um milésimo de segundo quando pensei em Liam. Como dois irmãos podiam ser tão diferentes?

Mas Liam desapareceu logo em seguida. Esse hiato foi preenchido com mais fúria, que escapava por cada poro de Amanda.

Agarramos Alain pelo pescoço, que sem perder tempo, tocou nosso braço com a palma da mão. Imediatamente o membro ficou dormente e não teve mais forças para segurar o adversário. Não deixei Amanda diminuir o ritmo por causa disso, enchendo-a com ainda mais ódio. Ela correspondeu enviando o mesmo sentimento.

Encaixamos chutes intermináveis em várias áreas do corpo de Alain. Rosto, pescoço, peito, ventre... A princípio ele parecia não sentir, estava até se divertindo. Mas logo sua expressão começou a mudar. As áreas atingidas começaram a ficar roxas e negras. Ele tentou convocar seu elemental para lhe dar suporte. Mas antes que conseguisse seu intento, destruímos o artefato elemental com uma rajada de magia. Os cacos flutuantes rasgaram-lhe a face, o sangue pingando nas roupas.

Foi então que ele finalmente se enfureceu. Com o rosto contorcido, formou entre as mãos uma esfera de energia preta. Soubemos instintivamente que aquilo era a junção de todo o seu poder conspurcado. Se aquilo nos tocasse provavelmente cairíamos mortas. Éramos imortais agora, mas com certeza ficaríamos em coma. Ninguém sabia por quanto tempo.

Alain não nos derrotaria. Enviei essa resolução a Amanda e ela pareceu concordar comigo. Ela concentrou o poder no braço dormente, o único útil, transformando-o numa espada de fio inquebrável. Em um golpe rápido como um piscar de olhos a lâmina foi passada sobre o globo obscuro nas mãos do inimigo.

Ouvimos uma explosão. A magia de Alain atingiu o próprio, convertendo os braços e rosto em uma massa borbulhante e acinzentada. Ele gritou. Berrou como se estivesse sendo dilacerado e sua voz foi quase como música para mim. Acho que Amanda sentiu o mesmo.

Nos aproximamos para o golpe de misericórdia. Mas o maldito nos pegou desprevenidas, acertando-nos um de seus golpes paralisantes bem no meio do peito. Caímos de joelhos, entorpecidas.

- Sua... sua maldita! Eu voltarei para te destruir! Esteja preparada!

Tentamos lutar contra a magia que detinha nosso corpo, pois ambas queríamos destruir Alain a todo custo. Mas antes de começarmos a nos levantar, o desgraçado fugiu pelo meio da floresta, provavelmente para sua cidade.

Estava tudo bem. Não havia problema. Estaríamos preparadas para ele. Nós e toda nossa vila.

Honraríamos nossos mortos. Faríamos com que vivessem mais uma vez, através de nós. Seríamos mais fortes, mais capazes. Não haveria piedade por nossos inimigos.

E assim deu-se início à Guerra dos Corações. Período que durou aproximadamente sete anos. Foi o tempo que levamos para dizimar quase toda a população de Novea. Até que quase a totalidade de seres humanos se tornassem Omags.

Irônico. A guerra começou primeiro entre Arcanos e Rubies, porque um dia uma Arcana amou um Rubie.

Não havia mais fé nem esperança. Foram tempos negros onde irmão traía irmão e não havia mais confiança nem convivência. Todos podiam ser inimigos, todos queriam viver eternamente à custa dos outros. Mas não cheguei a acompanhar esses desdobramentos pois em poucos meses minha consciência foi se desvanecendo dentro da essência de Amanda. Mas eu ainda estava lá. Em forma de ódio latente. E foi isso que me tornei, para sempre.

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Desculpem a demora para postar esse capítulo, me enrolei toda na semana passada...

Estamos quase no fim, galera... Semana que vem, o último capítulo estará no ar!!

Não esqueçam de deixar um comentário e um votinho hein? ;)

Beijos, seus lindos!!

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now