15- Chamado

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Era a manhã do quinto dia do meu teste. O sol mal havia se levantando do horizonte. O ambiente ainda estava na penumbra. Acordei abraçadinha com Liam dentro da tenda. Ele ressonava baixinho, ainda em um sono pesado. Me ajeitei para poder olhá-lo diretamente no rosto. Parecia uma criança dormindo, tão tranquilo como estava. Encostei meus lábios suavemente nos seus e fui deslizando-os por todo o seu rosto. Ele nem sequer alterou a expressão.

Sorrindo, peguei a cantante e me levantei. Precisava caçar nosso café da manhã.

Pouco mais de uma hora mais tarde, retornei trazendo duas lebres. Encontrei Liam se espreguiçando do lado de fora da tenda, uma mão descendo para esfregar os olhos. Assim que me viu, seus lábios desenharam aquele lindo sorriso, agora tão querido por mim.

Limpei as presas, preparei o fogo e as cozinhei. Servi a comida a Liam como se ele fosse um nobre abastado. Estava ficando mal acostumado esse garoto.

Ele deu uma gargalhada gostosa quando viu que notei sua cara de zombaria.

— Do jeito que estou sendo tratado aqui, dá vontade de viver no meio dessa floresta pra sempre!

— Nada folgado você, hein? O que mais deseja de sua empregada, ó meu amo e senhor?

Rimos e começamos a comer. Para algo preparado por mim, até que estava bom. Ou era simplesmente a fome.

Enquanto comíamos, conversávamos amenidades. Como o dia estava quente, se ia chover, esse tipo de bobagem.

De repente, o semblante de Liam se anuviou e seus olhos perderam o foco. Achei estranho, mas antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, Brisa surgiu do nada, tal qual um pé de vento. (Que era mais ou menos o que ele era, ora.) O vendaval sacudiu nossos cabelos em todas as direções e o elemental se materializou entre nós.

— Ouviu isso, Liam?

Liam apenas deu um aceno de cabeça, confirmando. Aparentemente, os dois tinham ouvido alguma coisa, mas eu não fazia a menor ideia do que era.

— Do que vocês estão falando, meninos?

— Desculpe, Adri. — Liam falou, se levantando — É uma emergência. É um chamado de meu irmão Alain.

— Chamado? Do que você está falando? Você nem está usando um auditus!

— Um o que?!

— Um auditus! Vocês não usam um pra se comunicar à grandes distâncias?

— Não! — Ele disse sorrindo — Nós não temos essa tecnologia dos xadrezes. Nos comunicamos através de nossos silfos, ou elementais do ar. É por isso que nossos times militares têm pelo menos um integrante que tenha feito pacto com um silfo.

— Mas como isso funciona?

— Eles emitem uma espécie de uivo em uma frequência que só outros silfos escutam. Aí emitem o mesmo chamado em uma outra frequência para que os parceiros humanos também possam ouvir. Mas a gente tem que treinar os ouvidos para poder sintonizar.

— Entendi. Mas se é um chamado do seu irmão, então vai!

— Eu não sei...

De uma hora para outra, Liam ficou reticente. Ele não tinha acabado de dizer que era uma emergência? Por que não ia logo encontrar o irmão? Ficou encarando Brisa, como se o elemental fosse decidir por ele. Finalmente olhou para mim. Ele visivelmente não queria falar sobre aquilo, mas sabia que não teria escapatória.

— É que eu e meu irmão... Nós estamos... Ligeiramente brigados. Já tem um tempo que não falo com ele. Não sei o que ele pode querer agora.

— Mas ele é seu irmão! Pode estar precisando da sua ajuda. Você precisa vê-lo.

— Você não entende, Adri. Alain é uma pessoa muito complicada. Temos uma relação difícil. Às vezes acho até que ele é meio psicopata.

— Isso é porque vocês são irmãos, bobinho! Irmãos vivem brigando, mas a gente sabe que no fundo se amam.

Liam suspirou profundamente.

— Ok. Vou dar uma olhada. Mas não queria deixar você...

Fiquei toda derretida com aquela declaração. O abracei.

— É só por um tempinho. Vou ficar aqui mais dois dias e te espero. Depois terei que ir para a borda do DD encontrar Aman e Alexia. Se não conseguir voltar antes disso, peça para Brisa me encontrar. Acho que ele é bom nisso.

— Pode apostar que é. O chamado do meu irmão vem da região dos limites do DD também.

— Então tome cuidado para não cruzar com Aman.

— É claro! Não quero morrer! — Gargalhou ele. — Me deseje sorte, Adri!

— Nossa, é tão grave assim?

Ele me encarou com um olhar estranho. Ficou muito sério de repente. Mas logo em seguida o momento passou.

— Talvez seja só bobagem minha mesmo. Volto o mais rápido que puder.

— Está bem. Vou ficar esperando.

E então ele se foi.

Na minha cabeça, esperava vê-lo o mais rápido possível.

Mas é claro que não seria assim, não é?

Quando nos reuníssemos novamente, eu encontraria uma pessoa mudada.

E iria desejar nunca tê-lo conhecido.


Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now