21- Descoberta

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Fiquei no quarto até de noite e ninguém mais veio me incomodar, nem mesmo meu pai. Resolvi sair apenas porque meu estômago estava me vencendo. Eu precisava fazer alguma coisa para comer. Tive medo de como poderia encontrar o senhor Raul. Será que depois da bronca que levou da senhora Marina ele tinha decidido se controlar um pouco? Ou afundara de vez na bebida?

Só havia um jeito de descobrir.

Quando cheguei à cozinha, papai estava começando a preparar a janta. Parecia sóbrio e ficou surpreso de me ver ali.

— O-oi, filha! Ontem, quando você me colocou na cama, achei que estava bêbado demais e imaginando coisas. Quase não acreditei quando Imani disse que você tinha acordado.

Sorri para ele. Era meu querido pai, apesar de tudo. Seu rosto se iluminou com meu sorriso, e permiti que ele se aproximasse. Nos abraçamos vigorosamente, meu pai apertando forte as minhas costas e eu devolvendo com mais força ainda.

— Adri, me perdoe, filha! Você sabe que eu te amo, não é? Em nenhum momento eu quis descuidar de você, é só que... é só que... você não acordava, e eu... Eu achei que talvez as coisas não voltassem a ser como eram...

— Está tudo bem, pai. Eu entendo. Só não concordo, como você bem sabe.

— Eu sei, minha pequena — ele já estava chorando — Eu sou um inútil! Eu me desespero e só fico pensando em como a bebida poderia me acalmar... Mas agora que você está aqui, não vou nem chegar perto desse líquido maldito! Eu prometo!

— Se há alguém inútil aqui, essa sou eu, pai. Não consegui manter minha promessa. Eu disse que tudo ficaria bem, não foi? Estraguei tudo, ferrei com tudo. Somos uma bela dupla de fracassados, não?

Meu pai não disse nada, só me abraçou mais, soluçando alto. Suas lágrimas molhavam meu ombro. Quando se controlou, passou a mão em meus cabelos.

— Você não é inútil, Adri. Você é só uma aprendiz. Não foi culpa de ninguém. Mas era por isso que eu não queria que você fosse. Fatalidades podem acontecer e você é tudo o que eu tenho. Por favor, filha, não volte para a vida militar! Você é boa em várias outras coisas. — papai tomou ar antes de continuar — Tenho certeza de que se dará bem com qualquer coisa que fizer.

— Tá, pai. Não vou tentar mais me tornar uma coletora.

Afinal, a quem eu estava tentando enganar? Eu era fraca, covarde e medrosa. Como uma pessoa assim poderia sequer pensar em se tornar coletora? Eu era muito mole, uma fraude. Petrifiquei em vez de ajudar quem precisou de mim. Aman morreu porque eu era uma tola iludida por sonhos inocentes.

— O que? Você tem certeza?

Acho que foi tão rápido que meu pai nem acreditou.

— Sim. Não tenho vocação para isso mesmo. Não quero que ninguém mais morra por minha causa.

— Ora, para de dizer isso. Eu já disse que não é sua culpa e nem de ninguém. Quero ver você bem, Adri! Vamos, venha comer alguma coisa. Deve estar faminta. Eu ia mesmo te chamar.

Depois da janta, demos um tempinho e depois seguimos para a cama. Eu me sentia relativamente bem com a barriga cheia. Mas o problema nunca foi o meu corpo. O pior era minha mente. Não queria dormir. Estava morrendo de medo de encontrar Liam nos meus sonhos e ele terminar o que tinha começado. Não queria vê-lo nunca mais. Então tentei ficar acordada o máximo possível. Mas uma hora acabei apagando, e como eu temia, sonhei com ele. Ele ordenara a Brisa que arrancasse todo o ar dos meus pulmões. Uma morte desesperadora e nada digna.

Achei que tinha dormido por apenas alguns minutos mas quando abri os olhos, empapada em suor, o sol já havia nascido. Leves batidas na porta acabaram por me despertar de vez.

— Adri, Akia está aqui. Veio te ver. — Papai falou em tom baixo através da porta fechada.

Akia?! Imediatamente uma vergonha lancinante percorreu meu rosto. Eu tinha sido o cúmulo da estupidez com ele e Imani ontem. Cheguei até a pensar que não seríamos mais amigos depois disso. Mas aqui estava Akia.

— Me dê dez minutos!

Enfiei pela cabeça a primeira coisa que vi. Um vestidinho cinza que estava jogado no armário. Amarrei os cabelos de qualquer jeito, só pra não ter que desembaraçar aquelas ondas vermelhas e para que ninguém reparasse que eu tinha acabado de acordar.

Fiquei meio tensa ao deixar o quarto. Por um momento aquela cena, aquela terrível cena do Avesso arrancando um pedaço de Aman perpassou minha cabeça. Eu perdi o equilíbrio e tive que me apoiar na parede, ofegante. Em um segundo meu coração, antes calmo, começou a galopar como um cavalo dentro do peito.

Ontem eu não tinha ficado dessa forma quando fui comer com meu pai! Por que isso agora?

Me forcei a me acalmar e respirar normalmente. Não queria que nem meu pai e nem Akia me vissem assim. Estava morrendo de medo de sair do quarto mas tinha que tentar.

Estava mais ou menos recuperada quando entrei na sala. Encontrei Akia sentado no sofá. Meu pai estava em frente a ele numa cadeira, ambos tomando café.

— Olá, linda.

— Oi, Akia. Olha, sobre ontem... eu queria pedir...

— Comigo está tudo bem. Não precisa se desculpar. Mas sabe. Eu fiquei pensando na conversa de vocês duas ontem.

— Akia. Eu estou muito envergonhada pelo que fiz ontem. Mas não quero falar sobre esse assunto.

— Dri, fique quieta um pouquinho e me escute. Eu fiquei pensando na sua conversa com Imani. As frases dela e as suas reações. Você está pensando que Amanda está morta?

Meu coração caiu no fundo do estômago. Como assim "pensando"? Meu pai me encarou aturdido, com olhos gigantescos.

— Dri, você não se perguntou ainda como foi que voltou à Vila Arcana? O que foi que aconteceu? Eu poderia te contar com prazer mas acho que talvez você prefira visitar Amanda.

Demorou um pouco para eu apreender totalmente aquilo. Aman estava viva? VIVA?

— Amanda Maro foi encontrada em um estado bem crítico mas é forte como um touro. Ela ainda está desacordada, mas bem. Deve acordar em breve. — Akia me informou.

— Sim, ela tem alguns momentos curtos de consciência. Só por isso não veio aqui te ver ainda. Precisa de um pouco mais de tempo para se restabelecer completamente. Aliás, assim como você, mocinha. — Eu mal consegui compreender o que meu pai falava. Só o que eu conseguia pensar é que ela estava viva.

Eu precisava vê-la!


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Mas essa Adri é uma tonta mesmo, hauahauahauaahau
Me digam o que estão achando ^^
Se curtirem, não esqueçam aquele votinho esperto! =P

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now