08- Menino Vermelho, Menina Xadrez

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Na manhã seguinte, Aman começou a arrumar nossas coisas e me pediu para reabastecer as moringas com água de um riacho próximo.

Aparentemente ela não se deu conta de minha ausência e eu nada comentei. Apenas segui para realizar minha tarefa, em silêncio.

O tal riacho não era muito distante. Segundo Aman, quando se vai de Vila Arcana até o DD, aquela era uma das paradas obrigatórias.

O dia estava um pouco mais amigável naquelas primeiras horas. Um calor gostoso atravessava as nuvens e deixava a pele morna.

E falando em pele, fiquei pensando no vermelho que encontrei antes. Vila Arcana os tinha em tão péssima conta que eu tinha certeza de que tratavam-se de bárbaros, com uma aparência grotesca e de modos agressivos e animalescos. Mas o garoto que encontrei ontem era a antítese disso; era esguio e de aparência meiga.

Nos diziam que eram quase como animais selvagens, no entanto não fora exatamente isso que eu presenciara. O menino tentara evitar um confronto a todo o custo. Não tomou a ofensiva como falavam ser comum. Alguma coisa não encaixava.

Enquanto raciocinava mal prestava atenção ao caminho. Eu seguia de cabeça baixa, quase chegando ao riacho, olhando a grama sem vê-la. Só voltei a mim quando escutei alguém ofegando. Ergui o olhar e dei de cara com o garoto! Pelado!

Ok, ele não estava pelado. Usava uma espécie de tanga. Mas tomei um susto tão grande que nem reparei nisso de imediato.

Agora, em plena luz do dia, pude ver que ele era bem vermelho. Sua pele parecia a minha quando eu ficava igual a um pimentão em dias muito ensolarados. Mas a cor em seu corpo era mais vibrante, e se distribuía de maneira uniforme.

Acho que ele estava de costas para mim e quando me viu chegando, se assustou. Foi quando eu notei que ele estava ali. Suas roupas jaziam estendidas sobre algumas moitas, secando à fraca luz da manhã. Fiz as ligações e entendi o porquê: suas roupas tinham ficado cobertas da viscosidade da planta do sono. Ele devia tê-las lavado na correnteza à nossa frente e esperava que secassem pelo menos um pouco.

Agora, quem estava vermelha era eu. Não pude deixar de notar o corpo dele. As roupas faziam um bom trabalho em esconder suas formas, pois ele era bem troncudo apesar de esbelto. Os músculos eram definidos e firmes. Fiquei sem ação. Ele era lindo demais!

Por reflexo, ele agarrou a blusa ainda meio úmida e tratou de vesti-la. Não sei bem se estava incomodado com o olhar vidrado que eu não conseguia arrancar dele ou com o fato de sermos inimigos mortais. Provavelmente uma mistura dos dois. Mas eu não consegui evitar.

— D-desculpe... eu não quis ser indelicada, eu...

— Você veio atrás de mim, é? Veio me matar? Qual é a sua? — Ele vociferou enquanto vestia as calças.

— Não, eu... eu só vim buscar água. Eu não sabia que você estava aqui. — E levantei a moringa que carregava para demonstrar isso.

Ele me encarou de cima a baixo. Lambeu os lábios enquanto isso, como se estivesse muito nervoso. Talvez decidindo se acreditava em mim. Quase como se quisesse muito acreditar.

— Você não é uma coletora?

— S-sim! Uma aprendiz, na verdade.

— Por isso não me matou logo de cara...

— O que? Por que eu faria isso?

— Porque é o que as coletoras fazem...

Como é?

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now