14- Conhecendo Histórias

205 35 17
                                    


Foram cinco dias maravilhosos ao lado de Liam, onde pudemos nos conhecer de forma mais íntima e profunda.

Tínhamos um acordo muito bem firmado: para assuntos e tarefas do dia a dia, ele não me ajudaria em nada. Afinal de contas eu estava no meio do meu ritual de passagem. Ele nem deveria estar ali. Então eu caçava e fazia fogueiras, trazia água e colhia frutas.

— Me sinto meio mal de deixar você fazendo tudo. — Soltou Liam logo no primeiro dia.

— Mas você precisa. Ou isso não seria um teste. Levo essas coisas bem a sério, viu?

— Não estou reclamando. — disse ele, rindo — Mas parece que voltei a morar com a minha mãe.

— Não tenho idade pra ser mãe de marmanjo. Eu hein? — Falei brincando. — E se algum dia a gente casar, você vai compensar tudo isso cuidando de todos os serviços domésticos.

— Tudo bem! Eu adoro cozinhar.

— Que bom! Porque eu detesto!

— Vou preparar para você um delicioso guisado de aranhas. É uma comida típica de Erescalta.

Olhei para ele sem conseguir conter a cara de nojo.

— É sério?

— Não. Haha. Brincadeira!

Corri para cima dele e fiz que ia enforcá-lo, de mentirinha. Ele estava sentado de pernas cruzadas e me inclinei contra seu corpo. Ele me puxou para mais perto, cheirou meus cabelos vermelhos e depois seus lábios procuraram os meus. Sua mão esquerda desapareceu por baixo de minha blusa.

Aquela foi a minha primeira vez. E a de Liam também. Ele era apenas um ano mais velho que eu, afinal. Nenhum de nós dois sabia direito por onde começar e eu tinha medo de sentir dor. Mas Liam foi muito gentil e cuidadoso. Ele também temia fazer alguma coisa errada e me machucar. Foi só um pouco incômodo no início mas então pegamos o ritmo. Depois que se entende o espírito da coisa, não é assim tão difícil ou dolorido. Foi incrível!

— Você está bem, Adri? — Ele perguntou preocupado, depois que terminamos. Ele estava ajoelhado por cima de mim, contra a luz. Seus traços estavam pouco definidos por conta da penumbra que envolvia seu rosto. Ergui minha mão, juntando o indicador e o polegar. Em seguida dei um leve peteleco em sua testa.

Ele ficou alarmado. Abriu a boca e puxou o ar para começar a falar mas eu nem o deixei começar.

— Calma, tonto. Esse é o sinal universal que diz que está tudo bem, ou que vai ficar bem.

— Se ele é universal, como nunca ouvi falar nele?

— Porque ele é universal entre apenas duas pessoas. Bem, três agora.

Ele riu.

— Quer explicar isso melhor?

— É uma bobagem que eu e Aman inventamos. É só pra ser diferente de todo mundo.

— Vocês são muito amigas, não é?

— Sim, mas ela também é como uma mãe pra mim. Ela é dez anos mais velha que eu. Eu a conheço, tipo, desde sempre.

— Pena que eu e ela não possamos nos conhecer melhor.

De repente me senti muito mal por perceber que ele talvez tivesse razão. Mas não queria perder a fé.

— Não diga isso! Se eu conversar com ela... ela é muito cabeça dura, mas tenho certeza de que uma hora iria entender...

— É por isso que você é meu dente-de-leão.

Ele se abaixou e me deu um beijo suave no topo da cabeça. Então seus olhos se perderam no vazio, como se estivesse refletindo.

— Engraçado. Acho que meu destino é ficar com um arcano, afinal de contas.

De novo aquela história do arcano.

— O que quer dizer?

— Já estive com um arcano antes. Na verdade, ele salvou minha vida.

Na mesma hora fiquei morta de ciúmes.

— Quem era? Eu conheço? Me conta!

— Não sei se você conhece. É possível. Nossas vilas são tão pequenas. Mas você não precisa se preocupar. Essa pessoa já morreu há algum tempo.

Apenas um ano mais velho, mas parecia ter passado por muito mais coisa do que eu. Nem conseguia imaginar a sensação de perder uma pessoa querida. Me senti uma criança perto dele.

Percebi que ele não queria falar muito daquele assunto. Seu maxilar ficara tenso e o brilho de seu olhar transmitia angústia. Achei melhor não insistir. Quem sabe, com o tempo, ele se abrisse.

No entanto, aqueles cinco dias não foram suficientes para isso. Tive que conviver com a curiosidade me cutucando de dois em dois minutos. Felizmente, esse lado contido era apenas uma das facetas de Liam. Na maior parte do tempo ele era expansivo e loquaz. Me falou de sua família e sua vida. Ele era o décimo filho de um casal de camponeses, que trabalhavam duro como lavradores. Os pais dele enxergavam o mundo através do trabalho, e um prato de comida para cada filho era mais importante do que qualquer demonstração de afeto. Liam era o mais novo de todos os irmãos e foi o último a seguir uma profissão.

"Eu via como meus pais tratavam muito melhor os irmãos que já estavam trabalhando. Os ajudava na lavoura de vez em quando, mas isso nunca contava." Disse-me ele. "Acho que é por isso que resolvi entrar para as forças militares. Meu irmão Alain já fazia parte da força especial de Erescalta. E elementais me assoprem se ele não era o filho visto com mais admiração. Acho que nossos pais sempre nos estragam um pouquinho, não é?"

Eu entendia perfeitamente o que ele queria dizer. Afinal, corri o risco de desistir de minha viagem ao DD só para poder garantir que o senhor Raul não fizesse nenhuma besteira com sua garrafa. Só vim porque ele prometera nem se aproximar da bebida fermentada.

Contei a Liam minha história também. Sobre a mãe que não conheci. Ela se chamava Gabriele e tinha a pele bem clarinha, quase uma folha de papel. Ao contrário de papai, que era negro. Puxei dela a cor de pele e dos cabelos. Gabriele havia falecido logo após o meu nascimento e foi nessa época que começaram os problemas de bebida do meu pai. Ele alternava momentos sóbrios com períodos muito ruins, mas já fazia um bom tempo que ele não se embebedava mais.

Falei sobre Aman, e como eu admirava o estilo de luta dela. E como havia sido ela a descobrir que eu não conseguiria imitar sua técnica. Que para usar a minha magia, eu teria que fazer uso de um objeto. Por isso eu me tornara uma espadachim. Foi então que Liam fez as perguntas padrões, que toda e qualquer alma em Novea me fazia:

"Espadachim Cantante? Por que essa alcunha? Você canta enquanto esgrima?"

Haja paciência!

Foram dias maravilhosos. Mas existe uma máxima que nunca muda, independente de quem você é, de onde vem ou quanto dinheiro tem.

Tudo o que é bom dura pouco.


________________________________________________________________

Pra quem queria saber se eles iam ficar mais íntimos... =P

E que papo será esse do Liam de que já conheceu um arcano, hummmmmmmmmmmm

Não esqueçam daquele votinho esperto se gostarem ;) 
E comentem o que estão achando! =D

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now