30- Velando os Mortos

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Ele surgiu como uma aparição à minha frente. Segurou a lâmina da espada com a mão direita envolta por magia. Um sorrisinho de desprezo formava-se no canto de sua boca.

Aquilo só acrescentou ainda mais cólera ao meu corpo já saturado dela. Tirei forças do âmago desse sentimento e empurrei a cantante com mais pressão para cima da mão do inimigo.

A princípio, Alain não se abalou. Seu sorriso até se alargou. Mas no momento seguinte sua expressão mudou. Foi substituída por uma ligeira surpresa quando minha espada rompeu a superfície de sua magia. Ficou completamente horrorizado quando a cantante atravessou sua proteção e dividiu a pele de sua palma em um corte profundo.

Assustado, Alain tocou em mim com a mão esquerda, me lançando para longe. Aterrissei bem perto de Liam. Meu braço direito estava inutilizado, como se estivesse dormente. Eu não o sentia!

- Como é possível?! Como uma maga aprendiz de apenas um nível pôde conseguir me ferir?! O que é isso, Serani?

- Está ficando histérico, Alain. Acalme-se, a menina surtou por ver o pai morto.

Morto? Então ele realmente estava morto?! Não podia ser verdade!

- Olha, ela está duvidando de você, Serani - riu-se Alain - Isto que Serani tem em mãos é o Coração de Magia de seu adorado pai, sua vadiazinha xadrez. Você gostaria de ver o rombo no peito dele?

Ele se aproximou do corpo do meu pai, fazendo menção de tocar nele. Eu já estava prestes a me lançar sobre ele novamente, mas Liam me segurou com todas as forças pelo braço entorpecido. Não senti a palma de sua mão ao redor da minha pele, apenas percebi que ele me continha quando não pude mais avançar para a frente.

Serani interrompeu Alain com um sacudir de mãos.

- Não precisa, Alain. Poupe-nos disso.

- POR QUE? - Gritei sem nem pensar. Serani sabia que era a ela a quem eu estava me dirigindo.

Ela olhou para mim com o semblante de uma professora impaciente que tinha que lidar com um aluno particularmente devagar. Meus dentes trincaram de ódio.

- Criança, um dia você vai entender que tudo o que eu faço é pela nossa vila. Em uma guerra, alguns sempre têm que perecer para que os demais sobrevivam.

- Mas não estamos em uma guerra, Serani. A não ser que comecemos uma agora.

Todos olhamos na direção da voz. Aman se aproximava de mim e Liam pela esquerda, comandando um grupo de coletoras e outros militares. Nicolas estava entre eles também. O rosto dele demonstrava toda sua desolação por ver sua antiga companheira lado lado com o inimigo.

- Serani, sempre achei seus pensamentos e métodos pouco ortodoxos. Mas o mestre Cális pensava que seria bom manter duas pessoas tão diferentes como chefes do poder militar. Posso dizer que ele estava errado. O poder te corrompeu, minha amiga.

- Me corrompeu? - Serani soltou uma risadinha irônica - Eu poderia dizer o mesmo de você, caro Nicolas. O poder tornou você preguiçoso. Ocioso e descuidado. Tanto você quanto o mestre Cális. O poder e a segurança deixaram vocês arrogantes. Nossa vila está à mercê de ataques externos e não teríamos força para nos proteger!

- Você está delirante, Serani! Esta vila sempre se preparou para se defender!

- Mas não é o suficiente! Vocês nunca escutaram os meus conselhos para endurecer ainda mais este lugar!

- Porque eram sugestões descabidas, Serani! O que você queria era criar um estado militar e todos achamos que era desnecessário!

- Pois eu nunca achei! - Serani gritou.

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now