06- Pensamentos Barulhentos

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     Já estávamos viajando há três dias. O DD não ficava nada perto, como meus pés puderam comprovar do pior jeito. A tarefa de chegar até lá era dificultada pela extensa floresta que ficava no caminho. Era densa e escura, e a probabilidade de se perder ali era bem alta. Aman conhecia aquele local como a palma da mão, então o problema não era premente. O complicado seria quando eu ficasse sozinha pelos sete dias do teste, para depois seguir Aman até o posto de Alexia bem em frente ao DD. Mas enfim. Uma dificuldade de cada vez.

O tempo estava seco, embora tivéssemos enfrentado chuva no segundo dia, antes de alcançar a floresta. Agora o céu permanecia de um cinza mal-humorado. Nossas roupas verde-escuras nos protegiam do frio enquanto nos camuflavam. Tratava-se do uniforme padrão das coletoras, um casaco comum e calças apertadas. O único diferencial era o símbolo das coletoras, do olho sobre as árvores, costurado de forma discreta no braço esquerdo. Ao contrário de Aman, eu também tinha o símbolo dos iniciantes costurado na manga direita.

Aman passou o dia me ensinando o básico da sobrevivência em lugares hostis, como acampar, como caçar. Por conta de suas missões, há muito tempo não tínhamos um tempo juntas. Era muito bom apenas tê-la ao meu lado.

Ao cair da noite montamos acampamento e fizemos uma fogueira. Sombras escarlates dançavam pelas nódoas e folhas das árvores, iluminando parcamente as fendas escuras enquanto meu corpo se aquecia pouco a pouco. Não dava para ver as estrelas mas pelo menos não estava chovendo. Minha amiga estava mais taciturna que o habitual, as pernas puxadas de encontro ao peito e o queixo apoiado nos joelhos enquanto mirava o crepitar das chamas que moviam-se de forma hipnótica.

— Aman. O que você tem? Tá mais quieta do que nunca.

Sem mudar de posição, seus olhos castanhos amarelados deixaram o fogo e me encararam. Havia uma espécie de tristeza por trás deles.

— Estou com medo, Adri.

Olhei para ela como quem observa uma aparição fantasmagórica. Aman, com medo? Se ela se sentia assim eu já podia entrar em pânico. Mas engoli em seco e continuei falando normalmente.

— Por que? O que está acontecendo?

— Você sabe que eu sempre cuidei de você. Você é como uma filha pra mim.

Como ela ficou em silêncio, exortei-a a continuar.

— Sei disso. Você sabe que eu sinto o mesmo. Mas por que isso agora?

— Cuidar de você na vila e cuidar de você em campo são duas coisas completamente diferentes. Sou sua superior aqui. Tenho total responsabilidade por você. E eu nunca fui tutora antes. Tenho medo de não corresponder às expectativas.

Será possível que todo mundo precisava morrer de preocupação por mim? Meu pai era compreensível, mas agora até Aman?!

— Mas como assim? Você é a coletora mais eficaz e letal da vila, Aman! Você pode dar conta de qualquer expectativa!

Ela soltou uma risadinha sarcástica e baixou os olhos de volta à fogueira.

— Você me tem em alta conta demais.

— Aman. Você tá me assustando.

Ela riu de uma forma mais saudável dessa vez.

— Adri, será que eu posso abrir o meu coração? Tá pensando que só porque está naquela fase da vida onde se é um saco de hormônios contraditórios, só você tem medos e inseguranças?

Ela disse isso de brincadeira mas me bateu uma vergonhinha mesmo assim. Dei um sorriso amarelo.

— Desculpa. Acho que pra mim você é como uma super mãe. Esqueço que você também é humana. Também, quem manda você parecer um pedaço de granito a maior parte do tempo?

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now