10- Dúvida

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É interessante notar como mesmo convivendo com uma pessoa durante toda a vida, ainda assim você não conhece todas as suas facetas. Observar Aman avançando como um animal furioso, os dentes arreganhados e o olhar soltando chispas de raiva concentrada, foi algo muito assustador de se ver. Hoje eu sei: a ignorância é a força motriz do ódio. Aman não conhecia Liam – ela não queria conhecê-lo. Partia do princípio que todos os vermelhos eram uma ameaça. Um conceito que se estendia a toda e qualquer pessoa de sua raça - os Rubies, como Liam me dissera. Minha amiga e mentora passou por mim como se eu não existisse, suas narinas bem abertas enquanto o ar escapava frenético. Uma idéia generalizada fez com que ela alcançasse Liam, levantando e baixando a palma da mão muito rápido, a magia contida nela dirigida ao coração do garoto, para matar.

Foi tudo depressa demais para sequer pensar a respeito. Quando Aman estava com os dedos a centímetros do peito de Liam, seu braço girou para trás com violência, levando o resto do corpo numa espiral que a arrancou do chão.

Brisa se postou à frente do menino Rubie, acalmando o turbilhão de ar que criara para afastar o perigo. Aman deu uma pirueta no ar, caindo de joelhos, uma expressão de puro desprezo ao encarar o elemental.

Eu destravei minha garganta nesse momento e tentei me dirigir a ela.

— A-Aman... O que...? Não faz isso, ele...

— Cale-se, Adriana. Tem sorte de ainda estar viva.

— Mas...

Não tive chance de terminar. Aman concentrou sua energia nos braços e investiu mais uma vez, tentando driblar o elemental e atingir Liam. Ela sabia que se calasse o parceiro humano, os comandos cessariam e Brisa não saberia mais como agir. Eu gritei. Implorei que parasse. Mas eu não reconhecia minha amiga naquela militar, programada unicamente para destruir.

Brisa não dava abertura para que Aman entrasse no espaço pessoal de Liam. Acertava-a com socos maciços de vento e apesar de a pele dela ficar roxa ao contato, parecia que ela não sentia. Era impossível para ela acertar o ar então ignorava os impactos enquanto tentava apanhar o Rubie.

Num instante, Aman concentrou uma esfera de luz na mão direita e a lançou ao encontro do elemental. Brisa estava pronto para apartar o golpe quando Aman torceu o pulso, fazendo a esfera mudar de direção em um arco, pegando Liam de surpresa logo atrás.

O globo de energia o atingiu no meio do abdômen, lançando-o a alguns metros de distância. Levei as mãos à cabeça e grunhi em desespero, ante aquela violência tola, sem sentido. Ele rolou pelo solo, o corpo chamuscado e as roupas negras. Aman não perdeu um segundo, partindo para cima antes que ele terminasse de se contorcer.

— Brisa! Faz um vendaval! AGORA!

Assim que Liam terminou de dar a ordem, o lugar onde estávamos explodiu. Todo o ar pareceu se desprender do elemental, fazendo a água do riacho espirrar, as folhas das árvores serem arrancadas, pedregulhos alçarem voo, a grama chiar. Aman foi atirada para trás pois estava bem próxima do elemental. Eu senti o vento como uma parede batendo em meu rosto.

A ventania foi amainando aos poucos. Bem devagar, abaixei os braços da frente dos olhos e os abri cuidadosamente. Tanto Liam quanto Brisa haviam sumido. Aman também não estava à vista. Olhei para trás e lá estava: tinha voado por uns cinco metros e só parou quando bateu as costas num tronco. Corri até onde ela estava e a ajudei a se endireitar, enquanto ela fazia uma careta de dor.

Assim que se recompôs minimamente, agarrou-me o ombro com força, torcendo tecido e pele. Me empurrou para longe dela e caí sentada com a surpresa. Aman me encarou ofegante, o suor escorrendo por sua testa devido à dor.

— Perdeu o juízo? Não sabia que você tinha virado suicida!

Eu estava tão chocada que não sabia nem por onde começar.

— Aman, não... Você está enganada! O Liam, quero dizer, o vermelho, ele não...

— Você está chamando aquele desgraçado pelo nome? — Ela me fuzilou com o olhar — Não posso acreditar! Você caiu na conversa dele como uma patinha, hein?

— Na conversa...?

— É claro, sua idiota! Uma conversinha mole para que você confiasse nele! Assim você o levaria até mim, a verdadeira ameaça. Eles adoram fazer isso! Gostam de confundir a cabeça de recrutas como você para chegar até seus mentores. Depois que eliminam o mentor, acabam com o recruta com requintes de crueldade.

Não era verdade. Não podia ser. A conta não batia. Eu o tinha ajudado primeiro quando ele nem sabia da nossa existência.

Depois disso nós dois até unimos força contra o Avesso. Ele e seu elemental tinham até cuidado de meus ferimentos! Para que tudo aquilo se ele pretendia me matar no final?

No entanto duvidar de Aman, uma coletora experiente que estava ali justamente para me proteger, também não era sensato. Será que ela tinha razão? Liam havia realmente se aproveitado do meu desconhecimento? Ele não hesitou em atacar Aman. Mas também, ela nem lhe deu a chance de esclarecer nada. Como ele poderia ter evitado o confronto?

Minha cabeça estava a ponto de estourar e lágrimas ameaçaram despencar por minhas bochechas. Em vez disso, me concentrei em ajudar Aman a levantar. Ela tinha batido feio as costas e mal conseguia ficar de pé sem escorar-se em mim. Vê-la daquele jeito me deixou ainda pior.

Não consegui evitar que uma lágrima rolasse. Sacudi a cabeça.

— M-me desculpa, Aman! — eu disse com voz chorosa — Você se machucou por minha culpa. Me perdoa!

— Está tudo bem. — ela amoleceu — O importante é que você está bem. Se a minha filhinha ficasse machucada, nem sei o que eu faria.

Eu a abracei com cuidado e a levei de volta ao nosso acampamento. Eu confiava em minha velha amiga. Mas será que ela não poderia estar errada, apenas daquela vez? Ou ela realmente estava certa sobre Liam?

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Desculpem pelo capítulo curtinho! Mas espero que vcs tenham gostado mesmo assim =)

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Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now