07- Omissão É Menos Pior Que Mentira

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Segui floresta adentro, atrás do som. A minha mente se debatia com imagens de algo tenebroso, algum espírito maligno, uma aparição sinistra. A escuridão e as sombras que as copas das árvores lançavam sobre mim não ajudavam. Eu seguia o ruído mas com um medo avassalador de que a coisa que o produzia girasse em 180 graus e viesse em minha direção. Assim que pensei nisso, imaginei divisar algo – alguém – entre os troncos adiante. Era quase transparente, como se estivesse sumindo.

Percebi um movimento brusco à minha esquerda e mordi a língua para abafar um grito enquanto meu coração quase rasgou o peito. Devia ser algum animal, pois simplesmente se afastou sem deixar rastros. Quando olhei novamente à frente, aquilo que eu havia visto desaparecera.

Mas o som bizarro, agora parecido com um lamento, continuava me chamando e me guiando. Para onde, eu pretendia descobrir.

A cantora ia firme às minhas costas. Ergui a mão até o ombro e apertei sua bainha, apenas para dar a mim mesma mais confiança. Ao menor sinal de perigo eu a sacaria e cortaria umas cabeças. Além de gritar como uma doida para que Aman viesse logo.

A voz – ou o vento ou o lamento – cessou de forma abrupta, ao mesmo tempo em que avistei uma luminosidade fraca. Atravessei alguns arbustos para dar de cara com uma clareira. Na outra extremidade dela estava localizada a origem da luz.

Era uma planta do sono, do tipo bioluminescente. É carnívora, mas que faz com que suas vítimas adormeçam antes de fechar suas mandíbulas sobre elas. A luminosidade vem da magia que ela emprega para manter sua presa adormecida enquanto a devora.

As plantas do sono da floresta do DD eram conhecidas por serem gigantes, capazes de devorar um homem. E era justamente isso o que aquela estava fazendo.

Um garoto estava agachado, preso dentro de suas folhas transparentes. Todo o seu corpo estava coberto pelas gosmas digestivas do vegetal. Apesar disso, seu rosto estava sereno.

Sem pensar, me atirei para a frente e agarrei uma das três pétalas que cerravam a estrutura oval da planta. Nem precisava ter empregado tamanha força visto que o segredo de seu sucesso não é possuir um porte maciço, e sim, a magia sonífera.

Ela se abriu facilmente e o corpo do jovem se inclinou imediatamente em minha direção. Amparei-o e arrastei-o para fora, desajeitada. Imediatamente a luminescência da planta decaiu em intensidade. Agora que sua presa escapara, não fazia sentido continuar empregando a magia para atordoá-la. Mas a luz não se apagou de todo.

Virei o garoto de barriga para cima e o puxei por alguns metros. Depois sentei no chão colocando sua nuca em meu colo, e observando seu rosto de ponta cabeça.

Que feições delicadas ele tinha! Quer dizer, o queixo era bem quadrado, com uma barba rala, de garoto mesmo. Mas a boca era lindamente desenhada, com lábios bem definidos e cheios. O de baixo era ligeiramente maior que o de cima. O nariz era largo mas simétrico. Suas pálpebras permaneciam fechadas de forma suave, o que me impedia de ver a cor dos olhos. À parca luz que a planta ainda emitia, não era possível ver se ele tinha pele negra ou branca. O cabelo escuro era muito liso, tanto que os fios faziam cócegas no meu braço. Fiquei com um pouco de vergonha de ficar segurando um menino tão bonito em meus braços sem que ele desse permissão. Parecia bobo, eu sei, mas queria que ele acordasse logo para poder me desvencilhar dele. Minhas bochechas já estavam começando a arder e sabia que deviam estar vermelhas.

Como se tivesse me ouvido falar em voz alta, o rapaz abriu os olhos de repente. Demorou um segundo até seu olhar me focalizar e assim que o fez, ofegou de susto e se levantou como um raio. Quase no mesmo instante, começou a cambalear como se ainda estivesse com muito sono. Respirando ao estilo de uma grávida, ficou em posição de luta, me encarando com um semblante ameaçador. Foi só então que pareceu reparar em minhas roupas, pois fez um esgar de pânico.

Deu pra ver que seu cabelo era bem cheio, apesar de liso, e mantinha uma parte dos fios presa num rabo de cavalo enquanto o resto cascateava até os ombros. Quando parei de reparar em sua beleza lembrei de me sentir alarmada.

— Ei, calma! Por que está mostrando os dentes pra mim? Eu te ajudei!

Ele travou por um momento. Me encarou e depois olhou para trás, para a planta. Voltou a me observar, desconfiado.

— Por que me tirou de lá? — Soltou numa voz meio rouca.

Ele era idiota?

— Como assim, "por que"? A planta do sono estava te devorando e você parecia precisar de uma mãozinha. Posso estar enganada quanto a isso, né. Mas resolvi ajudar mesmo assim, sei lá porque, ora.

— Você... Me ajudou. Mas não devia.

Olhei para ele sem entender.

— Por que não?!

— Ora, você é uma xadrez...

— Uma o que?

Levantei-me do solo e ele recuou uns três passos.

— Não se aproxime de mim. Não sei o que você quer mas fique longe. Eu tenho um parceiro silfo e não tenho medo de convocá-lo para me ajudar! — Ele gritou enquanto arrancava de um dos bolsos da calça uma esfera translúcida e brilhante, que girava e emitia um ruído baixo como se fosse vento soprando.

Um parceiro o que? Silfo? Essa não era a denominação para elementais do ar? Ele tinha um pacto com um daqueles seres?! Minha mão seguiu até a empunhadura da cantora por puro instinto.

Um pacto com um elemental. Isso queria dizer que aquele garoto tão lindo... era um vermelho?

Me odiei por um segundo por ter chegado a ver alguma beleza nele.

— V-você é um vermelho? — minha voz traía meu medo — E-eu não quero nada com você, só quero ir embora.

— Então tire a mão da espada e saia daqui andando de costas!

— Só quando você guardar essa esfera infernal!

Ambos hesitamos por um momento. Mas assim que comecei a baixar a mão, ele levou o globo brilhante de volta ao bolso. Ficamos nos encarando enquanto eu me retirava da clareira, andando para trás e tomando cuidado para não tropeçar. Assim que as primeiras árvores emparelharam comigo, dei as costas a ele e saí correndo como uma lebre sendo caçada. Me pareceu ouvir seus passos fugindo na direção contrária.

Minha obrigação era contar a Aman o que tinha acabado de acontecer. Mas eu não tinha a menor vontade de fazer isso. Além de tê-la desobedecido na cara dura, eu estava curiosa a respeito do garoto. Ele era mesmo um vermelho? O que diabos ele estava fazendo ali? Se eu contasse à ela, provavelmente não teria a chance de descobrir, pois minha amiga o caçaria até o fim do mundo se fosse preciso. Com certeza eu só o encontraria de novo dentro de sua cova. Resolvi guardar segredo pelo menos por enquanto. Uma omissão é menos pior que uma mentira, afinal de contas.

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Mas o que será que aconteceu aqui? Quem era esse garoto? Por que será que ele tem tanto medo da nossa protagonista? O_O

Continuem lendo e vão descobrir =P
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Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now