24- Desmoronar

197 26 32
                                    


Mal me lembro de ter chegado em casa. Quando dei por mim já estávamos todos de pé na sala. Tudo o que eu consegui fazer nesse meio tempo foi ficar pensando na conversa que tinha acabado de ter com Liam. Quanto mais revirava a conversa, menos ela fazia sentido. Por que ele falara tão pouco? Por que me tratara com tanta frieza, depois de passar tanto tempo sem me ver? Por que entregar o artefato de Brisa se eu nem sabia usá-lo?

Eram tantas indagações que eu mal notei meu pai abrindo a porta e indo até a cozinha buscar café. Ouvi Imani e Akia conversando entre si enquanto eu sentava no sofá como em um sonho. Subitamente, eles se calaram. Depois de alguns segundos, senti seus olhares pesando sobre mim.

— Que? — Perguntei meio envergonhada, meio brava.

— Perguntamos para que serve isso.

Akia tirou o artefato elemental do bolso. Imediatamente ele capturou a atenção de nós três, com sua energia azul pálida que girava e girava. Um ruído baixo e lamentoso como o vento escapava da esfera, quase nos hipnotizando. Só despertamos do torpor quando papai retornou da cozinha, o bule de café e as xícaras se chocando em cima de uma bandeja. Sua expressão calma mudou para descrença quando ele viu o objeto nas mãos de Akia.

— Isso é o que estou pensando?

— Depende, papai. No que está pensando?

— Que isso é um daqueles objetos que demonstram o pacto com aqueles seres amaldiçoados de magia. Onde raios vocês encontraram isso?

— O garoto Rubie que entregou isso à ela. Acha que é perigoso? — Imani falou, com visível preocupação.

— O nome dele é Liam, já disse. Escutem, os elementais não são perigosos. Quer dizer, não isoladamente. Vocês precisam entender que eles só obedecem ordens. São forças da natureza, não fazem julgamentos de moral.

— Mas é exatamente isso que pode ser perigoso, Dri.

Pesei as palavras de Akia.

— Certo, vamos dizer que é uma faca de dois gumes. Mas a periculosidade de um elemental é definida pelo seu parceiro humano. Tenho quase certeza que Brisa não vai nos fazer mal.

Brisa? O que, eles têm nome também?

— Têm sim, papai. Brisa, na verdade, é muito fofo.

— Pelo nome, só pode ser um elemental de ar, não é? — Akia ponderou.

— Acertou. Eu estava pensando... Se Liam me entregou isso, é porque não podia conversar abertamente conosco.

— Talvez ele quisesse conversar só com você, Adri. Acho que não devíamos ter entrado.

— Não. Acho que o problema não éramos nós, Imani. O mais provável é que ele não queria que alguém da cadeia escutasse o que ele tinha a dizer. — Disse Akia.

— Mas por que? — Perguntei, enérgica.

— Não tenho ideia...

Naquele momento, a sala foi iluminada por um brilho quente. As paredes, de um tom ocre, ficaram completamente brancas. Era cálida e ofuscava só um pouco. Vinha do artefato elemental que estava ainda nas mãos de Akia. Ele tomou um susto e deixou o globo sobre uma mesinha. A resplandecência ainda dançava por nossos rostos, mas foi diminuindo aos poucos, para se concentrar ao redor de uma forma rechonchuda. Devagar, Brisa foi surgindo, o ar circulando por dentro e entre a magia. Seus braços se formaram e na ponta deles, cinco dedos gordinhos. Sua barriga pronunciada irrompeu, assim como duas perninhas toscas, que não se desenvolveram por completo. Quem precisava de pernas quando podia ficar flutuando no ar? Seus dois grandes olhos se abriram e concentraram-se em nós.

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now