19- O Que É o Destino?

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O que é o destino?

Algo que já está escrito? Um roteiro já preparado para você há muito tempo, no aconchego da não-vida?

Talvez o destino seja uma estrada, um caminho reto construído para ser seguido sem paradas ou percalços.

Mas eu não acredito nisso.

Hoje creio que o destino é algo que só acontece quando as pessoas não têm força para evitá-lo. Ele é um piadista sem graça que gosta de te pegar desprevenida.

Eu queria ajudar Aman. Desejava isso com todo o meu ser.

Mas o destino havia me capturado.

Eu tinha um conceito muito concreto a respeito de Aman. Em minha cabeça ela era invulnerável, minha rocha segura. Eu podia confiar que com ela eu estaria sempre protegida. Mas isso é porque eu a via como uma mãe e nossos pais sempre são heróis para nós. E é claro que antes de ser uma heroína ou uma coletora eficaz e letal, Aman era apenas humana. Podia cometer erros, ainda mais pega de surpresa em sua emoção e luto. Eu é que nunca tinha me dando conta de que isso podia acontecer. Eu era jovem, talvez pudesse ser perdoada.

Assistir minha amiga desamparada se contorcendo no chão foi uma visão chocante demais para minha mente limitada.

"Mexa-se! Mexa-se corpo inútil!"

Eu pensava de forma frenética, mas em vão.

Até que cheguei ao limite e mais nenhum pensamento cruzou a minha mente. Tudo desapareceu ao meu redor. Inclusive eu.

******************

Bebida. Cheiro de bebida.

O que era aquilo?

Abri os olhos. Nem sabia que eles estavam fechados.

A princípio, não vi nada. Tudo parecia negro, como se eu estivesse cega.

Não! Será que eu tinha perdido a visão? Fiquei nervosa e comecei a me remexer. Foi quando percebi que estava sob um cobertor quentinho. De onde ele havia saído?

Minha vista começou a se ajustar. Eu estava em um quarto, na penumbra. Agora podia ver delicados raios solares penetrando pelas frestas da janela. Mas que lugar era aquele?

Então reconheci os móveis. Minha cama. Minha escrivaninha. A flauta sobre a escrivaninha. Os estudos de música e canto. O guarda roupa.

Eu estava em casa?

De repente mil lembranças estavam em ebulição ao mesmo tempo: Aman, o Avesso, Alexia, Brisa... e Liam.

Pensar nele imediatamente fez com que me sentisse mal. Soltei um gemido involuntário. Ele era o responsável por tudo aquilo, eu não devia estar lembrando dele!

Levantei. Meu corpo estava bem, só parecia meio enferrujado. Sabe-se lá quanto tempo eu ficara acamada. Cheguei perto da porta. O cheiro de bebida era mais forte ali.

Girei a maçaneta e segui o odor. Ele me levou até a cozinha. Lá, chafurdado em meio a três garrafas, estava meu pai, senhor Raul. Fiquei horrorizada.

Pai! Mas o que é isso?!

Ele me encarou por cima do ombro com olhos bovinos. O rosto estava emaciado, os cantos da boca formando um U invertido. A esclera totalmente vermelha, cheia de pequenas veias de um tom ainda mais escuro. A garrafa que ele segurava estava pela metade. Demorou uma eternidade até que ele me reconhecesse.

— Adriana! Filha! Você está acordada!

Ao tentar levantar-se da mesa, derrubou a cadeira no chão. Veio até mim cambaleante, quase caindo duas ou três vezes. Me abraçou jogando todo o peso de seu corpo sobre mim e minhas pernas sem uso quase não agüentaram. Fiz um esforço monumental para levá-lo até seu quarto. Deitei-o na cama e retirei seus sapatos, cobrindo-o com uma colcha fina.

Dente de Leão -- Uma breve história anterior a Perna de MagiaWhere stories live. Discover now